As creches, ou as famílias?...
Reportagem jornalística abordava um estudo inferente de vantagens adquiridas por crianças que frequentaram creches antes dos três anos de idade, substanciadas em «melhores resultados no desenvolvimento cognitivo e linguagem», relativamente àquelas que permaneceram no seio familiar. Os autores do estudo sustentaram a sua conclusão na consulta de cerca de uma centena de artigos científicos dedicados aos efeitos de cuidados não parentais, tendo concluído que estes, até àquela idade, podem beneficiar as crianças no que concerne ao desenvolvimento cognitivo e à linguagem, remetendo, possivelmente, para um «melhor desempenho escolar». Releve-se o enfraquecimento de assertividade nas afirmações e a fragilidade do concluído, que, em estudo científico, não se pode sustentar na conjugação do verbo poder. Como se não bastasse, confessam os mesmos autores a escassez das abordagens em torno da matéria, afirmando limitada a sua qualidade, sendo que daquela panóplia de artigos pesquisados somente três correspondiam a estudos com base em observação temporalmente prolongada. Elegeram um, este relevando a importância que a qualidade dos cuidados encerra para o desenvolvimento da cognição e da linguagem. Mas de tal ninguém duvida, certamente... Adiantam que o mesmo concluíra que crianças frequentadoras de creches de média a elevada qualidade revelavam resultados superiores aos das beneficiárias de «cuidados maternos exclusivos». Ficamos, todavia, sem saber se se trataria de cuidados maternos identicamente de média a elevada qualidade. Neste mesmo estudo não foram tidos em grande conta «o rendimento familiar, a qualidade do ambiente doméstico, o sexo da criança e o grupo étnico» de pertença, «variáveis sem impactos consistentes». Por outro lado, não se apresentará fácil (nem muito sério, em ordem à cientificidade que se imporá) fazer assentar na nossa realidade os resultados de um estudo operado em alguns estados americanos e a quinze anos de distância. Os próprios o assumem sem custo, adiantando a dificuldade na formulação de «conclusões definitivas» e no estabelecimento de «inferências causais». Um deles observa, peremptoriamente, que o desenvolvimento das crianças de três e quatro anos presentes nas suas consultas é muito heterogéneo. Nada de diferente seria expectável. E afirma ter a impressão (e não mais do que isso) de que a frequência de creches ou infantários concede «mais aptidões cognitivas e melhor interação social»...
A creche não equivale a uma necessidade das crianças, mas dos adultos. Adaptam-se, porém pagando preço elevado por isso. A criança necessita de «prestadores de cuidados sensíveis e resposta pronta», «o contacto com as figuras de cuidado mais próximas», dispensando «a exposição em grupo durante muito tempo», o que lhe pode ocasionar dificuldades de relacionamento futuro e de desenvolvimento, criar ansiedade, afectar a capacidade de organização do sono, provocar estados de depressão, sentimentos de abandono e desinteresse por parte dos outros, e decréscimos de auto-estima. Tem que sentir a permanência de afectos e de carinho, da atenção de quem tem o dever de lha proporcionar, protegendo-a. É uma evidência que procriar constitui um pesadelo para muitas mães que trabalham, e entre não haver quem lhe cuide das crianças e “armazená-las” por longas dez horas numa creche, ressalta óbvia a opção...
Escrevo segundo a antiga ortografia