A Prisão de Armando Vara
Foi com particular desgosto ver um amigo de longa data, precisamente 42 anos de amizade, ser encarcerado na prisão de Évora sob a condenação de três crimes por tráfico de influência. Foi também triste e lamentável a forma soez como diferentes produtores de opinião e comentário se pronunciaram tendo, no meio dessa gente, havido um que pela exposição pública e mediática e pelo grau de despropósito e, até mesmo, de refinada maldade se atreveu a dizer que este era o exemplo da prisão de um poderoso, que tinha exercido funções ao mais alto nível da política e do sector financeiro, com tentativas de controlo da comunicação social, fazendo, não a figura do comentador, mas um juízo político à dimensão desse inenarrável Luís Marques Mendes (também conhecido por Noia). Afinal os crimes que levaram Armando Vara à prisão não tiveram nada a ver com o que Luís Marques Mendes verberou, ou, se calhar, foi mesmo isso que levou a que três crimes que nunca tinham conduzido ninguém à prisão desta vez tenham servido de esteio para prender Armando Vara. Vivemos de facto na época da pós verdade onde os factos são irrelevantes em relação às opiniões e às narrativas que os opinion makers fazem. De facto os juízes parece terem cambiado o objecto da prova pelo objecto da coisa mediática pervertendo o que de mais essencial tem o direito que, no meu modesto entendimento, circunscreve a sua acção, ou inacção, à prova dos factos ou à sua inexistência.
Fiquei por isso chocado com a intervenção de Marques Mendes, aliás pouco surpreendente depois de todos sabermos que a questão do tráfico de influências é coisa que parece ser transversal a todos aqueles que estiverem em posições de decisões importantes. E por isso a questão da moldura penal para o tráfico de influências em questão é, para o cidadão comum de uma violência inaudita que coloca na sargeta alguém que ao longo de uma vida, pese embora os defeitos e os erros que tenha cometido, merece o respeito à dignidade e a ser tratado, no plano judicial, sem preconceitos e sem essa influência espúria do mundo mediático. E no momento de indomável dor e falta de auto-estima por parte da vítima não me parece que seja curial que alguém se refira ao caso com o sarcasmo, o justicialismo e altivez de quem soa tratar-se de uma condenação exemplar, sobretudo invocando histórias que não foram a julgamento e são produto da literatura da coscuvilhice, do mau jornalismo e de uma certa dose de infâmia com que são conseguidos os shares e os sucessos editoriais da imprensa cócó.
Sempre entendi que a amizade é o único sentimento que prevalece às vicissitudes da vida e das inevitáveis fraquezas humanas e por isso nunca, em circunstância alguma, julgarei aqueles de quem sou amigo e, nem sequer aqueles que, mesmo por conhecimento superficial, sejam expostos à contenda pública. Com efeito, neste Big Brother em que todos vivemos ninguém está a salvo dos salpicos da maledicência e da ignomínia e confesso, com amargura, que as minhas convicções estão hoje profundamente abaladas pela falta dos princípios daqueles que deveriam ser o exemplo da honra na vida pública, pela pouquíssima e cada vez menor confiança na justiça e na generalidade das instituições e, pior que tudo, pela mediocridade que capturou os partidos e, com isso, os sistemas políticos e o Estado de direito e que abriram escancaradamente as portas à emergência dos populismos e radicalismos.
Esta prisão, que espero seja breve, é, para mim, o resultado um julgamento em praça pública, em factos e circunstâncias que tiveram mais a ver com o personagem do que com o objecto da acusação e que por isso constitui, no meu modesto entender, uma indignação profunda, sobretudo quando vemos à solta e a frequentar os melhores sítios esses passarões que foram donos disto tudo e alimentaram, se não mesmo continuam a engordar, a história do Alibábá e dos quarenta ladrões.