A opinião de ...

Deus é amor, não poder

Os evangelhos e epístolas adoptados pelo cristianismo católico usam e abusam de expressões como «o poder de Deus», a obediência a Deus», «a submissão a Deus». Em contrapartida, usam pouco expressões como «Deus é o Bem», Deus é amor», «Deus convida a amarmo-nos». Porém, o elemento mais importante da doutrina cristã católica para a sociedade é o terceiro dos três dogmas que a fundam.
Tais dogmas são: 1) a existência de Deus, como criador de tudo e ordenador de todas as coisas e como ideia inspiradora do BEM; 2) a vida da alma de cada ser humano para além da vida terrena, emanação da ressurreição de Jesus, merecendo prémio ou castigo perante Deus consoante os méritos praticados durante a vida terrena; 3) em consequência, uma vida de amor a Deus e aos outros seres humanos, i) unindo a todos pelas ideias de igualdade de oportunidades, ii) de distribuição proporcional dos recursos segundo as necessidades fundamentais e de desenvolvimento do trabalho individual e colectivo, iii) do respectivo contributo para o bem da sociedade, e de iv) garantia de condições para o exercício do mérito demonstrado por cada um.
Os dois primeiros dogmas colocam questões de fé. Não se pode acreditar ou não em Deus pela via da ciência e da razão. Deus não se demonstra nem se invalida por esta via. Ser cristão católico é por isso colocar-se num patamar de vivência da fé, com base num mito, no sentido em que o mito é aquilo que não pode demonstrar-se mas viver-se e comungar-se.
Neste pressuposto, é muito difícil ser-se cristão católico quando os critérios da ciência e da razão invadiram, desde o início do Século XVI, e com cada vez maior persuasão e demonstrabilidade, nos nossos dias, as nossas referências sobre o que é a verdade. Porém, tais referências da lógica científica nunca trouxeram consigo uma orientação, nem axiológica (valores) nem ética (comportamentos) e, por isso, na ausência de uma orientação de vida, no património científico, resta-nos recolher a Deus e ao terceiro dogma do cristianismo católico como fonte de um ideal de vida e de sociedade.
Tal ideal de vida é a conciliação possível entre igualdade e liberdade e, por via delas, entre capitalismo e socialismo, dando origem à democracia social. Na perspectiva cristã, segundo tal democracia, todos têm o direito de viver dignamente mas todos têm o dever de contribuir para o colectivo. Todos podem acumular riqueza segundo os seus méritos e trabalho até um determinado nível, mas todos são obrigados a pagar impostos numa proporção justa, num máximo de 40% sobre rendimentos dos mais ricos. Quando ultrapassamos este patamar, já não estamos numa sociedade justa e equilibrada mas naquela em que os que beneficiam exploram os que contribuem.
Como poderá o cristianismo católico pôr em prática o seu ideal social? Pelo poder, não, que a Igreja já não é poder, nem político nem económico nem social. Pela militância. O cristão católico é o militante do amor e da justiça, pelo equilíbrio entre igualdade e liberdade.

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3481

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