A opinião de ...

Da Democracia (e dos seus bloqueios)

A Democracia representativa tem, como é óbvio e sobejamente conhecido, alguns desvios inerentes ao facto basilar em que se baseia pois a mesma consiste em delegar em alguém as decisões que por inerência nos são devidas mas que, por natureza e operacionalidade não é possível obter, casuisticamente, uma deliberação consensual e/ou maioritária.
Sabendo bem que as atuais ferramentas tecnológicas, sobretudo informáticas, baseadas nas plataformas de internet, permitem a chamada Democracia Direta, não vem grande mal ao mundo a insistência e persistência nos mecanismos da tradicional representação democrática. O importante passa por garantir que o espírito de missão, a função de representação e a precariedade dos lugares de decisão, são interiorizados e assumidos pelos eleitos. Para os cidadãos eleitores seria bem mais importante poder perceber que quem elege vai assumir o poder que lhe é delegado é transitório e só tem legitimidade por sei exercido em nome e benefício dos cidadãos, do que os conhecidos programas eleitorais sabidamente genéricos e recheados de lugares comuns e bossa vontades generalistas e comummente aceites.
Contudo, infelizmente, é cada vez mais vulgar observar alguns dirigentes eleitos a quem o poder sobe à cabeça de tal forma que, no dia seguinte à investidura, se julgam ungidos, líderes por determinação divina ou sobrenatural, donos de órgãos e instituições onde, em boa verdade, são apenas gestores, diretores ou mesmo presidentes. Observa-se com frequência que essa convicção “eleva” de tal forma quem foi eleito, muitas vezes apenas por falta de alternativa válida ou convincente, que se acha no “direito natural” de ocupar o lugar cimeiro que não convive bem com o sucesso de outros e acham que a única forma de subir passa por empurrar para baixo todos os demais. Acham que o facto de terem sido escolhidos os transforma em omniscientes e se outros manifestam opinião diversa, terão de estar errados e combatem quem pensa de forma diferente com ferocidade... sobretudo quando opiniões fundamentadas questionam decisões sem grande suporte racional... O problema é que a única altura em que a vontade maioritária colhe respaldo legal é... nas eleições que ocorrem de quatro em quatro anos e, nada vale, no interregno.
É espantoso mas, também, deplorável que a vontade e preconceito de uma única pessoa possa sobrepor-se ao interesse de todos os outros, sem que estes possam fazer nada. A lei atribui poderes e prorrogativas aos eleitos que lhes permite não só decidirem ao arrepio da lógica e pensamento maioritário como ainda lhes é possível usar os recursos públicos para as mascararem com pretensos referendos, manipulando as perguntas de forma a “darem a voz ao povo” sem contudo lhes facilitar todas as opções possíveis e lógicas.
A democracia deveria ter mecanismos que evitassem estas aberrações. O problema é que, no caso em apreço, as regras são definidas por quem delas beneficia. Assim, o maior antídoto para a mudança, necessária, mas nem sempre desejada, é o “natural” bloqueio!

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