A opinião de ...

MÁQUINA DE CALCULAR (O ALIBI DE SÓCRATES)

– Onde estavas no 25 de Abril? – foi uma frase que ficou célebre. Quase toda a gente tem uma resposta para ela. Mas se me perguntarem (a mim e a cada um dos meus leitores) “Onde estavas na tarde de 12 de Novembro de 1997?” não saberemos, certamente, o que responder. Porque essa data pouco dirá à maioria de nós. Ora se nessa data tiver sido cometido um crime em que eu não tenha participado e me acusarem de cumplicidade, não consigo ter nenhum alibi. Por isso sempre desconfiei de quem tem alibis óbvios e a sua falta não me convence, automaticamente, da culpa de quem o não tem, sobretudo se o acusado é pessoa inteligente e, supostamente, age com ardiloso cuidado e premeditação.
Antes de continuar tenho de confessar que, quando escrevi a crónica a defender a inocência de José Sócrates o fiz baseado no facto assumido pelo Direito Penal que todos são inocentes até serem condenados em Tribunal. Contudo o decorrer do tempo fez-me amadurecer o pensamento e sedimentar convicções. Porque, tal como era esperado, começaram a surgir na imprensa dados e factos que espelhavam, ao pormenor, as investigações e descobertas do Ministério Público. E, tal como na história do poço que é, paradoxalmente, o único que, quanto mais se tira, maior fica, também neste caso, quanto mais se diz e revela, menos se sabe. Vamos por partes.
 
José Sócrates é-nos apresentado como um homem inteligente, frio, calculista e muito cuidadoso que planeou uma mega operação de corrupção para posterior benefício próprio. Não entendo como é que sendo-lhe reconhecida tal ardileza maquiavélica, tenha claudicado, precisamente no ponto mais crítico de toda a operação: havendo dinheiro a transferir do amigo Santos Silva, porque haveria de lho pedir via telefone se, sendo este dono de várias empresas poderia facilmente ter usado um esquema que todos conhecem muito bem por ter sido usada em negócios ligados ao BPN – bastava emitir acções de uma das suas empresas, aos milhões, vendê-las ao ex-primeiro ministro por um euro, comprar-lhas depois pelo dobro ou triplo do valor facial e viesse depois o Ministério Público acusá-lo, fosse do que fosse. Teriam de nascer duas vezes para questionarem a sua honestidade.
 
Por outro lado, o valor líquido da corrupção é colossal. Começou nos 40 milhões, desceu para a casa dos 25 e já está em 17. Talvez desça mais mas, mesmo assim, é enorme. E é aqui que entra a máquina de calcular. Porque, não questionando a seriedade e inteligência da acusação, só se justifica tal presunção (nada mais que presunção apareceu até hoje) por erros de cálculo. Investiguei várias fontes e todas elas coincidem num número para o valor dos contratos obtidos pelo grupo Lena em concursos públicos, a maioria em consórcio, em que nem tinha posição maioritária: 153 milhões de euros. Os adjudicantes foram Câmaras Municipais, Águas de Portugal, Estradas de Portugal e Parque Escolar. Em nenhuma foi a Presidência do Conselho de Ministros. Por favor, alguém faça chegar uma máquina de calcular ao ministério público, porque a que eu tenho não consegue extrair tanto lucro de tão pouca faturação. O dinheiro de corrupção tem de ser “bem merecido” para que seja devido. Ora digam lá como é que com adjudicações em concursos públicos, não contestados, analisados por várias e diferentes comissões técnicas, adjudicados por autarquias e empresas públicas, se conseguem extrair lucros para um participante minoritário que justifiquem o pagamento de 17 milhões de euros para entregar a quem não participou em nenhum ato final de decisão?
Não esqueço, com certeza, o negócio da Venezuela. Mas esse negócio não foi “obtido” pelo antigo primeiro-ministro. Já existia. José Sócrates contribuiu para o seu desbloqueamento. Não devia fazê-lo?!!
 
Mas há, é certo, a prova da existência de um telefonema para o Vice-Presidente de Angola. A pedir uma reunião com amigos a quem devia favores.
Pois.

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