A opinião de ...

O Discurso, o Sequestro e o Refém

No cinzentismo habitual da tomada de posse do vigésimo terceiro governo constitucional, Marcelo Rebelo de Sousa, provavelmente com saudades dos tempos em que, na direção do jornal Expresso se celebrizava como criador de factos políticos, resolveu agitar as águas. Saiu do plano institucional e, apesar de ter sido um dos deputados que elaboraram e votaram a Constituição Portuguesa, num discurso direto, pouco habitual nestas cerimónias, veio dizer-nos que em Portugal, apesar do que está instituído no texto fundamental da República, nas eleições legislativas vota-se, não em listas partidárias, mas em candidatos a primeiro-ministro. É verdade que essa ideia tem sido, recorrentemente, proclamada por “especialistas” e marqueteiros políticos, que tem alguma aderência à realidade nacional, que seria normal e natural, na pena de um jornalista ou na boca de um comentador televisivo semanal, soa de forma estranha quando expressa pelo mais alto magistrado da Nação, cujo dever começa em defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição.
É verdade que o candidato que preside ao partido que se propõe governar o país tem uma influência gigantesca no sentido de voto dos cidadãos mas, apesar dessa circunstância, a realidade formal e institucional garante que o que conta é o número de deputados que cada formação partidária consegue sentar no hemiciclo de S. Bento. Se fosse de outra forma a famosa Geringonça nunca teria visto a luz do dia e a carreira política do atual Primeiro-Ministro teria sofrido um sério revés, em 2015.
Apesar de ter validado e apoiado a solução governativa, à esquerda, para desilusão e desalento dos líderes da sua área política, Marcelo Rebelo de Sousa vem agora dar um aviso à navegação: o líder do PS tem de se manter na cadeira da Presidência do Conselho durante os próximos quatro anos e meio, aconteça o que acontecer, queira ou não queira. Aqui d’El-Rei que o Presidente sequestrou o Primeiro-Ministro e tomou-o como refém!
Puro engano! Nada nem ninguém pode amarrar António Costa a S. Bento. O seu percurso nos próximos anos dependerá menos das “ameaças” de Belém e muito mais das circunstâncias, das oportunidades e, sobretudo, da vontade do líder do Partido Socialista. Será ele quem decidirá, na altura certa e decisiva, que resposta dará a uma hipotética proposta de cargo europeu que não existe, ainda, e que ninguém pode garantir que possa, no futuro, existir. Em política, os putativos cargos anunciados com grande antecedência, normalmente, têm dificuldade acrescida em se concretizarem.
No meu entender, é legítimo que qualquer pessoa, chame-se Marcelo ou António, ambicione progredir na sua carreira, seja ela profissional ou política. Assumir um cargo qualquer implica, necessariamente, abandonar o que se ocupa à data. Para que os portugueses tivessem um bom chefe de governo foi necessário que os lisboetas perdessem um bom líder autárquico... eleito com maioria absoluta e ninguém se queixou.
Por mim entendo que António Costa deve dizer sim a uma carreira europeia, se a mesma o prestigiar e a oportunidade aparecer. Não aceito a chantagem do exemplo de Durão Barroso. O erro dele não foi ir para a Comissão, mas deixar Santana no seu lugar.
Ao contrário do que se diz, o refém do repto de Marcelo não é o chefe do Governo mas o da Presidência. Se Costa quiser ir, ninguém o pode impedir... mas, nessa circunstância, Marcelo Rebelo de Sousa ver-se-á obrigado a convocar eleições... se quiser honrar a palavra porque, em boa verdade, também ninguém o poderá obrigar!

Edição
3878

Assinaturas MDB