O PRÉMIO (Contributo para uma pseudo teoria económica)
Germano Trancoso foi um abastado proprietário rural do nordeste transmontano que se prestou a figurar numa pequena novela que ando a escrever, a fazer de morto e pouco mais.
Germano tinha muitos, variados e dedicados (uns mais outros menos) trabalhadores rurais, por conta. A quase todos dava jeira sendo que a maioria trabalhava para ele em permanência e em exclusividade. Tinha pelo Ernesto uma dedicação especial. Era filho de um amigo de escola, o Amadeu que assentara praça com ele, em Lamego, onde cumpriram o serviço militar em sã camaradagem. Essa era a principal virtude do Ernesto: ser filho do Amadeu. Não que fosse mal educado, trafulha, mentiroso ou mesmo dado à preguiça. Não tinha era o empenho e dedicação que dele se esperava. Por seu lado, provavelmente ele esperaria mais da vida mas esta é o que é e não o que gostaríamos que fosse.
Um dia, observado-o do patim de granito, a recolher lenha para a curralada, num rame rame certinho, mas sem grande convicção chamou-o, à hora da merenda e convidou-o a sentar-se com ele na mesa da cozinha. Falaram de tudo e de nada e, para fim de conversa, depois de lhe dizer que se queremos singrar na vida, se queremos ser alguém, se pretendemos ir além do que a vista de hoje nos mostra e alcança, temos de ter atitude, temos de nos empenhar, temos de nos fazer à vida. Os tempos estão difíceis, mas se houver empenho e não se desperdiçarem oportunidades, chegará, garantidamente, a hora da recompensa generosa do esforço e dedicação. Sabendo-o filho de quem era e por isso, com todo o gosto ali o tinha, também sabia que honraria o nome do pai mostrando-se grato pelas deferências que recebesse. Seguramente que o lugar dele seria outro e quando a ocasião de mudar chegasse não colocaria qualquer dificuldade à sua partida, seria, aliás, o primeiro a encorajá-lo a procurar ocupação melhor e mais adequada à sua natural aspiração. Mas para já, o que havia era aquele lugar que seria dele, enquanto quisesse. Não sendo demasiado exigente mas também lhe não proporcionava rendimento vistoso. Sabendo disso tinha algo para lhe dizer. Queria atribuir-lhe um prémio. A partir dali passaria a acrescentar um dia de ordenado à semanada que religiosamente lhe pagava ao sábado à tarde, como aos restantes trabalhadores. Sabia que haveria de ver retribuição. Que sim, garantiu entusiasmado o Ernesto. Havia ainda uma condição: segredo absoluto pois não podia nem queria estender tais mordomias aos restantes. Estivesse descansado.
E assim foi. Era um regalo vê-lo trabalhar, empenhado e diligente. Nem parecia o mesmo. Não havia quem lhe levasse a palma, mesmo sabendo que empenho e dedicação eram palavras correntes nos trabalhadores do senhor Germano Trancoso. Tanto assim que, de vez em quando o velho Germano ainda lhe acrescentava alguns escudos à semanada. Tudo na maior harmonia e a contento total de ambos.
Até um dia. Paradoxalmente um dia em que o prémio foi ainda maior. Eufórico foi beber uns copos com o resto e, já de grão na asa, descaiu-se a dizer que o amigo do pai lhe bonificava semanal e generosamente a soldada devida e acordada. Foi então que soube que essa prática era comum naquela casa e que a elevada produtividade que era sabida e conhecida tinha aí a sua causa. E que, em boa verdade, o prémio que ele recebia não era nada para aí além. De todos os prémios concedidos, o dele era, provadamente, o menor.
Nunca mais o Germano conseguiu motivá-lo. E o prémio acabou, claro.