A opinião de ...

PICALSO (Contributo para uma pseudo teoria económica)

Germano Trancoso, abastado proprietário nordestino, desiludido com as aplicações bancárias (quem vier a ler a novela saberá porquê) seguiu o conselho de um amigo: resolveu investir em arte. Pegou em vários milhares de contos e comprou um quadro do Picasso. Era a aposta mais segura, garantiram-lhe. Inicialmente interregou-se frequentemente se aquela pintura de mulheres com rostos angulosos com narizes deformados, olhos fora do sítio e bocas exageradas justificavam todo aquele investimento. Rapidamente se tranquilizou. Quando os amigos souberam da preciosidade que guardava na mansão do morgadio começaram a visitá-lo mais frequentemente e, sobretudo, fizeram-no sentir admirado, invejado e bajulado. Nunca se sentira tão importante. Até um dia...
 
Um dia, entre os amigos veio um entendido que, em vez de apreciar a obra de arte, como todos os outros, não, deu em esquadrinhar o quadro, investigar pormenores, observar cuidadosamente a assinatura, passar o dedo, ao de leve, pela textura da tela.
– É um quadro genuíno, claro... – afirmou em jeito de pergunta.
Perante o silêncio do dono ele mesmo respondeu.
– Mas claro que é. Deve ter um certificado de autenticidade. Não tem? Devia ter... Aconselho-o a consultar um especialista.
– E onde encontro eu um especialista ? – perguntou-lhe o Germano.
– Isso é o mais fácil. Eu conheço um, muito bom. Mando-o cá um dia destes.
E mandou.
O Germano nem teve tempo de pôr os pés no chão e já estava a receber o veredito, como uma bofetada. O quadro era falso.
De invejado passou a desprezado. Os amigos deixaram de aparecer. De rico proprietário de uma obra de arte de excelência passou a ser um otário, simplório que se deixou enganar e que tinha, no meio da sala, uma patética imitação emoldurada com tiques de novorriquismo. Os que o procuraram e lhe deram palmadinhas nas costas agora evitavam-no, viravam-lhe as costas e, na sua ausência, chamavam-lhe Picalso – O do Picasso Falso!
E, contudo, ele era o mesmo. Os “amigos” eram os mesmos. O quadro era exatamente o mesmo! Nada mudara. Sendo tudo igual era igualmente tudo radicalmente diferente.
 
Por ironia, soube, algum tempo mais tarde, que o especialista de arte que o visitara era um charlatão. Que a “avaliação” fora encomendada já com o objetivo definido: declarar a falsidade da obra. Já que o veredito de falsidade não era credível, ainda pensou contratar um verdadeiro especialista. Mas para quê? Ele que nem gostara muito da obra, no início, acabara por se afeiçoar a ela. A possibilidade de não ser verdadeira, agora que não havia certeza de nada, acrescentava-lhe mistério, interesse e, na sua modesta opinião, valor. A notícia de charlatanice desseminou-se com lentidão. Alguns amigos fizeram menção de voltar. O Germano é que não estava agora disposto a partilhar o seu tesouro.
 
Ao final do dia sentava-se num grande cadeirão de madeira, no centro da sala e ficava largos minutos a olhar o quadro. Deitava-se com a certeza de que, para além das terras e gado que todos conheciam, era igualmente dono de uma assinalável e valiosa obra de arte.

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