A opinião de ...

Bragança e as Coisas com Categoria: Joana, ainda hoje a Princesa…

Joana, Princesa da Arménia, e o Rei seu pai, vieram pela XVII Via, a caminho de Santiago de Compostela, com o seu séquito. Fizeram estância em Castro de Avelãs. Como Rei e Princesa ricos de então, deslocavam-se com homens de armas e demais cortesãos, mestres, criados, aias e escudeiros, músicos, artistas e boleeiros, dezenas de pessoas de pele pintada e adornos, tecidos de modas exóticas, carros e cavalos, montadas das cargas à trela, os peões, toda a parafernália duma caravana de gente importante na Idade Média.
Tal movimento não escapou ao arguto Mendo Alão, um bretão cometido da defesa destas terras de passagem, terras de Bragança, instalado com a sua guarda no sítio do castelum da nossa cidade, cavaleiro-clérigo do Mosteiro. Ou seduzido ou sedutor ou ambas as coisas, de Joana e Mendo Alão nasceu uma das famílias da fundação de Portugal, a dos Bragançãos.

Passou a viver na sua Torre, senhora do espaço e das aias à maneira oriental, gerando uma lenda de prisioneira forçada, para uns, mas, para outros, de poder feminino.
Não será a mesma torre, mas estará assente nas mesmas fundações e usando as mesmas pedras, a que hoje nos remete para há uns mil anos, recortando-se com elegância no amuralhado da cidadela. Dela terá afagado o horizonte que hoje perscrutamos, não só com a curiosidade e as saudades, mas também com o encanto duma recém-chegada a Bragança. Que se habituou a amar.

Deve ser por isso – é por isso! – que, nos olhares das raparigas e mulheres com que nos cruzamos em Bragança, nos surpreendemos com esse lampejo oriental de quem persegue a sua sina ou de quem se descobre a si, em todas capaz de brilhar. Porque é um sortilégio da cidade, um dos seus feitiços, o de, tendo encantado quem está, encante também quem chega, e dele todos fiquem prisioneiros.

Poderá não vir hoje da Arménia uma princesa longínqua e cheia de charme, mas poderão chegar muitos visitantes à cidade e render-se, se a cidade os quiser captar com coisas com categoria. Que Bragança tem. Umas mais discretas, outras mais escancaradas, pérolas na nossa cidade com o seu carácter, como o as pérolas dos colares na testa das damas orientais da Princesa. Mais preciosas ou mais estimativas, há que as admirar. E entender.

Entender. Porque entender o porquê duma coisa, tangível ou intangível, é o primeiro passo para uma fugaz paixão da moda se transformar em amor duradouro, por toda a vida, aqui dizendo, por toda a cidade.

A Princesa Joana ia em peregrinação a Santiago de Compostela. Ficar em Bragança foi a sua forma de cumprir a razão de ser duma peregrinação, de quem procura um sentido para a vida. Encontrou-o. Felizmente para nós, herdeiros dessa sua razão de ser e do seu cumprimento. O seu destino não era a cidade do túmulo do apóstolo, afinal, de que ela ia a caminho, e ela soube-o quando, em Castro de Avelãs, se encontrou com Mendo Alão.

Nada nos diz que, depois, não tenha mesmo ido até Santiago, mas já em Acção de Graças. Não o sabemos. Mas tê-lo-á feito, com o seu olhar, ao ver um por-do-sol dos de Junho a partir do cimo da sua torre, o desmaiar do dia para os lados de Finisterra, de caneca de vinho na mão, um vinho à maneira da Arménia, polvilhado de aromas e essências raras a tratar-lhe dos males de saudades. Terá sido ela a mandar vir ou a ter trazido as cepas que ainda hoje se cultivam nas encostas de Bragança, de que se faz um vinho de cor aberta, a lembrar framboesas, e em que cintila qualquer coisa mais do que uma refracção da luz? Será do seu olhar pousado no nosso copo, cheio de força e viço atrevido, transportado através dos séculos?

Já aconteceu com todos nós, vermos mais do que isso num copo, dos bebidos numa esplanada do castelo, ou avistando da cidade o capuz da Torre da Princesa, de noite ou de dia…

Edição
4007

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