Obras na Igreja [5]
O cuidado pelas sepulturas e os sufrágios pelos mortos sempre foram, para os cristãos, o testemunho de que a morte não tem a última palavra sobre o destino do ser humano, que está destinado a uma vida sem limites, que se realiza em Deus [1]. Quem poderia imaginar que este salutar cuidado já foi fonte de confrontos, entre nós, antes dos cemitérios públicos, a quando da proibição do sepultamento nas igrejas.
Ao contrário de outros países europeus, em Portugal só muito tardiamente se deixou de sepultar nas igrejas [2]. A inumação nas igrejas era tido como «dever de religião», para que os mortos estivessem sob a proteção de Deus. Depois vieram os adros, no chão, ou em carneiros* [3] e, só mais tarde surgiriam os cemitérios públicos. Para a Igreja já “no 2.º concílio Bracarense [563], se havia proibido o sepultamento nas igrejas, porém, tal proibição não venceu o uso, ou antes, o abuso, inveterado” [4].
Em 1787 médicos, intelectuais e, altos funcionários do estado como Pina Manique, reclamavam os enterramentos fora das igrejas, por motivos de saúde pública. Mas será de D. Pedro, em plena guerra civil [1833], que proíbe os enterros nas igrejas, nos adros e, nos claustros, pela cólera que grassava na capital. A lei de 21 de setembro de 1835, explicitada no decreto de 8 de outubro, proibirá definitivamente a inumação de cadáveres nas igrejas e, ordenará a construção de cemitérios públicos, fora dos limites das aglomerações. Estas novas funções seriam suportadas por taxas pelas populações, à exceção dos mendigos e militares. A reorganização da lei, com Costa Cabral [10/01/1844] [5], não foi pacífica deu lugar a motins, [Maria da Fonte, Braga, 1846], que rapidamente se espalharam por todo o país. Entre gritos de «morras» aos Cabrais e «vivas» a D. Miguel o povo entoava o Hino da Maria da Fonte. Os revoltosos, os «patas ao léu», antigos absolutistas e miguelistas, radicais de esquerda, moderados e, mesmo Cartistas, destruíam os sinais da presença do estado [quarteis, cartórios, matrizes prediais, arrolamentos de mancebos e, a «papelada» dos impostos], irados contra a violência e, a corrupção do regime de Cabral. A intrusão repentina, a interferência local, os métodos violentos, de um estado distante e intermitente, originam a revolta coletiva e popular [6]. Na Assureira, Torre de Moncorvo [agosto 1836], um grupo de mulheres faz um enterramento na igreja paroquial, desafiando a autoridade civil. Em 1862 ainda se realizavam muitos enterros nas igrejas, contrariando a lei [31,2% e, destes 52,2% a norte e, 7,6% a sul] [7].
Nos finais do séc. XIX começam a surgir os primeiros cemitérios públicos [Bragança 1858] e [8], os primeiros regulamentos [Mirandela, 1909] [9].
*[3] - CARNEIROS de ossos [ossários] - depósito onde se guardam ossos humanos, geralmente na parte poente dos adros das Igrejas. A Igreja de Soutelo da Gamoeda teve até à intervenção dos anos 70, sec. XX, um ossário, que se pode ver desenhado em planta, no Arquivo da Câmara Municipal de Bragança.