A opinião de ...

Leva-me Pra Casa…

De chão barrento por aqui dominou a telha e o tijolo, vermelhos. Resta apenas a grandiosa chaminé, agarrada ao forno vulcânico, símbolos industriais onde o carvão foi rei. No imponente e majestático edifício construído neste chão domina a inteligência artificial, de janelas sempre fechadas, a qualidade do ar respirável será o que o computador ditar, cartão magnético, no bolso de cada funcionário, informará o poiso constante de cada colaborador, as mesas de trabalho estão disponíveis em open-space e as ultrapassadas funcionárias secretárias/femininas, de apoio a “quadros/diretores”, estão localizadas, em grupos, que apoiam dezenas desses diretores.
Em 1883 nasceria, em Campo de Ourique, Lisboa, o que haveria de ser a semente embrião dum colosso industrial, do barro. Mudará de local rumo ao definitivo, 1890 Picoas e, em 1919, Campo Pequeno. Tal como hoje, nunca se saberá como funcionou o tráfego de influências, apenas se conhecem os factos. Aqui, neste sítio, nasceu a Companhia da Fábrica Cerâmica Lusitânia, de tijolos vermelhos de barro, linha de montagem industrial que haveria de fornecer todo o tijolo para a construção da Monumental Praça de Toiros do Campo Pequeno, mesmo ao lado, com primeiro tijolo lançado nesse mesmo ano de 1919. Agora, hoje, no local dessa Fábrica, acomoda-se o mais volumoso e imperial edifício da capital, a Sede da Caixa Geral de Depósitos, mesmo ao lado da Praça de Toiros e futuro poiso do Governo de Portugal.
Na noite do actual 25 de Março, eu e minha mulher, oferta dos filhos, fomos ver e deglutir o concerto de Pedro Abrunhosa neste mágico e secular edifício taurino. Todas as palavras serão curtas. A entrada de Marcelo, nosso Presidente agregador, apagou as luzes, soltando os sopros, gemidos, vibrares, rufos e pratos da Orquestra Clássica do Sul, sustentando a magnética voz de Pedro Abrunhosa, coadjuvada pelos Comité Caviar.
O ambiente, meticulosamente criado por Abrunhosa, aquecendo a disponível e acolhedora massa humana, desejosa de conviver com as profundas mensagens, libertadas dum coração magoado e plasmadas em ecrã gigante agarravam-se às almas de cada, extravasando a solidariedade que nos corre nas veias, chorando pelas atrocidades fratricidas que tingem de vermelho o mártir chão da Pátria Ucraniana.
Desde o rebentar desta inimaginável e dantesca tragédia uma imagem, repetida ao infinito, me turva, dilacera e inquieta, a imagem real de uma mãe, de olhos no vácuo, de mão bem dada e agarrada a um ou mais filhos criança, numa inseparável fuga para nenhures. E eis que, no meio das transversais mensagens, sofridas, de Paz e Amor, Abrunhosa dedica, em escrita pungente, canção avassaladora, um hino, a todos os Pais que perderam prematuramente seus filhos, Leva-me Pra Casa…

Edição
3877

Assinaturas MDB