A opinião de ...

Revolta Militar de 25 de Abril de 1974

1. Orientação Estratégica do Estado Novo
No cinquentenário do 25 de abril de 1974 e da transição da II República (Estado Novo) para a III (Democracia), propomo-nos abordar quinzenalmente o 25 de abril de 1974 através dos seguintes temas: 1. Orientação Estratégica do Estado Novo; 2. A Guerra de África 1961-1975; 3. O MFA e as conspirações contra o regime; 4. O Golpe das Caldas de 16 de março de 1974; 5. e 6. Operações militares a 25 de abril de 1974; 7. Bragança no 25 de abril; 8. Dias seguintes sob brasa.
Vizinhos e historicamente inconciliáveis, com Salazar e Franco as relações Portuga-Espanha estabilizaram. Três acontecimentos aproximaram os dois Estados. O primeiro foi a Guerra Civil de Espanha (1936-1939), que implicou um problema de segurança na fronteira terrestre. O conflito internacionalizou-se, com a Espanha a servir de palco de confronto entre as ideologias fascista de Hitler e Mussolini (apoiantes de Franco) e a Comunista de Estaline (apoiante de Azãna). Salazar, ideologicamente próximo de Franco e temendo um regime comunista junto às fronteiras, fez do apoio ao “caudilho” um desígnio nacional; a vitória deste abriu uma base de entendimento na Península. Depois, com a eclosão da II Guerra Mundial, coincidente com o fim do conflito espanhol, Salazar tomou consciência que assegurar a neutralidade passava por igual pressuposto da parte de Franco. A chave do sucesso estava na formalização de acordos entre os dois Estados, mediante intermediação do Reino Unido (RU). O corolário foi o «Pacto Ibérico» (1940), onde a neutralidade e a não-agressão mútuas ficaram vincadas. A criação da Aliança Atlântica (NATO) em 1949, já no contexto da Guerra-Fria, é outro facto a reter. Atendendo ao poder funcional do arquipélago dos Açores, Portugal foi convidado para membro fundador, mas o mesmo não aconteceu com a Espanha. Contudo, como a Salazar não interessava o isolamento da Espanha, obteve-se um acordo bilateral Espanha-EUA (1953), incluindo-se, assim, Madrid no sistema de defesa ocidental.
Passemos à dicotomia Atlântico Vs Europa. Na II Guerra Mundial, o triângulo estratégico Continente-Açores-Madeira motivava, à Alemanha, a invasão do primeiro vértice, e ao RU/EUA a ocupação dos outros dois. No Pacífico, Timor encontrava-se no raio de ação japonês e na fronteira dos interesses da Austrália. Quanto à posse de volfrâmio, minério relevante ao nível dos armamentos/munições, interessava a ambos os beligerantes. Daqui resultaria a neutralidade colaborante, que concedeu aos Aliados facilidades de utilização da base das Lages (RU) e de Santa Maria (EUA), a partir de 1943-44, cabendo-lhes a libertação de Timor, entretanto ocupada pelo Japão. O volfrâmio foi sendo vendido aos beligerantes …
Ao se tornar membro NATO a orientação geopolítica nacional tornou-se Atlântica, enquanto a base económica estava na África. Entretanto, a política de descolonização emanada das Nações Unidas (ONU) e materializada com a Conferência de Bandung (1955), e a eclosão da Guerra em Angola (1961), criaram turbulências entre Portugal e a NATO/Estados Unidos. Enquanto Washington pressionou Lisboa a encontrar uma solução política, o regime procurou, sem sucesso, o apoio militar da NATO, esgrimindo a ingerência da URSS na África Portuguesa. O resultado foi o esfriamento do grau de envolvimento e participação de Portugal no âmbito dos exercícios NATO até 1974.
Relativamente à Europa, onde o privilégio relacional era a Espanha, Portugal era membro da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) desde 1959, e formalizou, já com Marcello Caetano, o estatuto de associado da Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1970.
Mas era África e a questão das Províncias Ultramarinas, assim definidas em 1951, o centro das atenções estratégicas do Estado Novo: «Portugal uno, multicontinental e multirracial do Minho a Timor» consubstanciava a autonomia e a independência política do país, era a base da sua economia e justificava o recurso às estratégias político-diplomática e sócio militar para a manutenção do ideal imperial. Desde o Acto Colonial de 1930 que prevalecia o princípio da unidade política com o da descentralização administrativa. Premissa colocada em causa com a vaga de descolonizações na Ásia na década de 1950, seguida pelas da África a partir de 1960.

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