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A Agricultura IX – Lameiros, freixos e feno

Eram árvores obstinadas, os freixos, com séculos de vida, mas ocasionalmente, se faziam estorvo, era preciso derrubar um, e era um espectáculo impressionante. Começava-se por atar uma corda da carreixa ao topo do freixo; era um dos rapazes mais ágeis que o fazia, e esgalhava o freixo na descida: folhas para os animais e lenha para o sequeiro. Entretanto meia dezena de homens cavavam uma vala à volta do toro, ao ferro e pá, com um metro de profundidade, até expor algumas raízes fortes, que se cortavam à força de machada. O freixo ficava então fragilizado e era hora de puxar a corda atada no topo. Usava-se uma junta de bois ou a força humana, de acordo com a dimensão da árvore. Depois de oscilar, juntando o peso dos anos, inclinava-se e caía. Era uma visão simultaneamente grandiosa e deprimente, ver aqueles colossos caírem às mãos de gente tão leve. Depois era preciso cortar as raízes mais fundas, agora expostas. Quase sempre era preciso serrá-lo, devido ao seu peso, e isso era trabalho para um par de dias para dois homens. Usavam-se serras compridas, muito flexíveis, com uma agarra de madeira de cada lado: Cada um puxava à vez pois a flexibilidade da serra não ajudava ao empurrar do oposto. Lenha para muitas semanas ou meses.
A lenha miúda ia para o sequeiro, mas as rancas e os toros, cortados em cilindros do tamanho do cavaco pretendido, ainda tinham de ser rachados. Primeiro secavam. Depois eram colocados na vertical e procurada uma fenda, onde inserir a cunha. Umas pancadas secas, com a marra, e a cunha ficava fixa. Depois era só bater com força. Não é como nos filmes, em que os toros abrem logo. Há nós pelo meio e todo o tipo de dificuldades com o percurso da fenda. Aquecia-se mais do que à lareira.
Mas o lameiro lá continuava e, desde Fevereiro ou Março a Julho, eram reservados à produção de erva para feno, cortada no início do verão, seca no local e transportada para as lojas, abrigado da chuva, onde era religiosamente guardado para as épocas de escassez de alimento. Havia quem cortasse a erva em fresco, no início da primavera, para a deixar depois crescer, mas era um risco. O feno era um desassossego por causa da chuva. Depois de cortado tinha de haver sol forte, virava-se uma ou duas vezes para secar bem. Se não secasse fermentava, enchia-se de bolor e a cria não o comia. A chuva ”lavava-o” e ficava de má qualidade. Tinha de ficar verdinho e cheirar a feno. A alternativa era a palha, mas não é tão nutritiva e o gado não a come tão bem.
Fosse para fenos ou ferrãs, a ferramenta de corte eram as gadanhas, instrumentos altamente cortantes, afiados e manejados com perícia e com uma forma peculiar. O manuseamento da gadanha implicava um corte rente ao chão, sem apanhar pedras, com uma cadência constante e sobretudo juntando a erva cortada numa corrente contínua. Isto era importante para a posterior recolha, com a espalhadoura (vulgarmente forquilha). A forma da gadanha ficou imortalizada como o instrumento transportado pelo Anjo da Morte, o Ceifeiro.
Mais um ícone fortíssimo de Trás-os-Montes: o lameiro, florido e com a água a escorrer.

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