A opinião de ...

Os polícias não choram

A negociação dos sindicatos de polícia (PSP e GNR) com o governo para definir o valor do subsídio de risco, uma vez reconhecido esse direito pelos deputados da AR e que decorreu nos meses de Junho e Julho, terminou sem acordo, como facilmente se previa. É caso para dizer que tinha tudo para correr mal e assim aconteceu.
Os representantes sindicais dos polícias acusam o governo de ter apresentado e aprovado, sem possibilidades de negociação um valor ridiculamente baixo, que consideram uma esmola, não dignifica a profissão e não paga o risco efetivo a que os polícias estão sujeitos, nem está de acordo com o compromisso de honra que juram no dia em que abraçam a profissão, “dar a própria vida… se preciso for”, para servir o país e os cidadãos.
A noção de risco está sempre associada ao perigo. O risco prende-se com a vulnerabilidade, ao passo que o perigo está associado à possibilidade de um prejuízo ou de um dano. Por outras palavras, o perigo é uma causa do risco.
O chamado de risco ocupacional dos polícias envolve vários riscos que geram danos à saúde e põem em risco a vida do polícia. Estão associados ao trabalho por turnos (noites, feriados e fins de semana), ao uso obrigatória de arma, às condições de trabalho em equipa, sujeito a regras e procedimentos padronizados que exigem decisões importantes em curto espaço de tempo e cujas falhas acarretam consequências, por vezes graves, tanto para o próprios como para outros intervenientes. Estas condições de trabalho também refletem os baixos salários, o baixo reconhecimento e respeito pela profissão, sobretudo por muitos responsáveis, em especial, os políticos e muitos fazedores da opinião pública, a elevada exposição aos traumas individuais, familiares e sociais que conduzem a uma permanente pressão e ao stress, contribuindo para uma maior tendência para adquirir doenças físicas, do foro psicológico e para o suicídio.
Esta área das condições de trabalho policial e suas consequências não tem sido objeto de estudos científicos. Com o título “Os polícias não choram” foi publicado em 2018 um livro da autoria de Miguel Rodrigues, chefe da PSP, doutorado em educação e investigador, que recolheu e analisou dados verificados ao longo de 18 anos, entre 2000 e 2017. Em consequência do risco há o registo de 27 mortos em serviço. Suicidaram-se 137 profissionais, a uma média de 16,9 casos por 100 mil habitantes, enquanto na população residente, no mesmo período, foi de 9,7. No que se refere à esperança média de vida o autor diz que a dos polícias é 13 anos inferior à da restante sociedade.
E o risco biológico de infeção relativo à doença por covid 19? Até final de Junho, a taxa de incidência nos polícias da PSP foi de 13,5%, enquanto que no país foi de 8,5%.
Considerando as referências elogiosas feitas aos polícias, em geral e ao seu profissionalismo durante a pandemia, em particular, e o tratamento que lhes foi dado pelo governo, é caso para dizer que “Os Polícias não Choram”. Sofrem e muito, quase sempre em silêncio.

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