A opinião de ...

O Mesquinho Preconceito Bairrista

O bairrismo luso, na versão paroquiana do total menosprezo pela aldeia do Outro, logo, doentio, é daqueles sentimentos que me fazem alguma confusão, tendo em conta que este país à beira mar plantado, povoado por meia dúzia de pessoas, tem uma área geográfica de pouco mais de 92 mil km2, cinco vezes menor do que Espanha e 108 do que os EUA. Ou seja, quer em termos culturais, quer comportamentais, só a falsa crença pode alimentar a ideia de que há diferenças substanciais entre ribatejanos, minhotos, transmontano, estremenhos, beirões, algarvio e alentejano.
Como bragançano, nunca fui tomado pelo sentimento de inferioridade em relação “aos de por aí abaixo” (na deliciosa expressão da capital do fumeiro, verbalizada frequentemente pelo carismático vinhaense João Saldanha), nem, tão – pouco, me senti diminuído pela suposta sobranceria dos lisboetas. Razão pela qual me incomoda a forma como os habitantes de Lisboa e Vale do Tejo têm sido “ostracizados” (quais leprosos), tanto em conversas de café, como nas redes sociais, por ali ter surgido a 2ª vaga do Covid 19.
À boleia do tema Covid, houve quem não perdesse a oportunidade de, via “correio da manhã dos pobres”, desancar, de forma gratuita, nos alfacinhas, porque esse famigerado e poderoso meio de comunicação social divulgou imagens da praia de Carcavelos, com o areal cheio de lixo, após uma noite de excessos. Entre muitos, retive o seguinte comentário, como se a labreguice não fosse um fenómeno transversal: “estes tipos de Lisboa têm a mania que são finos, e não passam duns porcos”.
Voltemos ao “bicho”.
Será que houve o mesmo “tratamento” em relação aos habitantes da zona metropolitana do Porto, onde, no início de Fevereiro, o surto apareceu? E os de Miranda do Douro, onde foram recentemente detectados vários casos positivos, também são “patetas” e “irresponsáveis”?! Ou será que também foram os de Lisboa a infectar esta gente?! É uma hipótese, se tivermos em linha de conta que o autocarro que liga Massamá a Barcarena tem paragem obrigatória na terra dos pauliteiros!
Infelizmente pouco se sabe sobre o “inimigo invisível”. Não há evidências científicas (satisfatórias) quanto ao contágio. Se as houvesse, e se as coisas fossem tão lineares quanto alguns julgam ser, Bragança teria um número assustador de casos positivos, porque, por exemplo, o confinamento da maior parte da comunidade estudantil (estrangeira) do IPB foi feito ( e continua a sê-lo) na mais estreita e indissociável ligação ao kizomba, ao samba e à “jolinha”, nas condições de socialização que todos conhecemos. Ou seja, perante tão descarada e evidente subversão das regras impostas pela DGS, podemos estar perante o “milagre bragançano”.
É, portanto, pouco avisado (além de ser perigoso generalizar) alguém proclamar que um dado comportamento ou atitude está associado a uma determinada zona geográfica do país. Os imprudentes, os moralmente mal - formados, os energúmenos, os atoleimados, os escabrosos, os porcos, etc., existem em todo o lado. A toda a hora nos deparamos com gente que deita lixo para o chão, escarra nos passeios e põe o cãozinho a defecar no jardim público, sem se dar ao trabalho de remover a matéria excretada. Desgraçadamente, estes comportamentos verificam-se de norte a sul do país.
Podemos, sim, garantir que os cidadãos de Bragança, de Vila Real, do Porto, de Lisboa, do Alentejo, do Algarve, dos Açores e da Madeira se distinguem não pelos traços comportamentais (há bons e maus exemplos em todo o lado), mas pelo linguajar, pelos sotaques mais ou menos marcados, as variantes fonéticas – a grande riqueza da nossa língua.

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