A opinião de ...

Tortura Para Crianças

Ernesto Carolino Gomes
Mandam as regras tutelares que as impropriamente designadas actividades de enriquecimento curricular não devam (não possam) enquadrar a realização dos trabalhos para casa, unicamente contemplando criações e recriações do foro lúdico. Desta forma, ficará sob a responsabilidade familiar o acompanhamento (se necessário) da execução daquela tarefa. Todavia, queixam-se muitas famílias da não detenção de condições suficientes e bastantes para tal fim, sendo que essas condições são passíveis de revestir aspectos muito diversificados. Buscando constituir os trabalhos para casa forma de controlar, sistematizar e consolidar aquisições de saberes e conhecimentos processadas em sede escolar, muitas são as famílias às quais escapa o domínio de capacidades científicas para o acto, e destarte se transforma facilmente a arena familiar em prolongamento da desigualdade de sucesso educativo que a escola apadrinha. Outras tantas ignoram metodologias adequadas no mesmo sentido, sendo que, por via disso, tantas vezes se converte a realização dos trabalhos em apreço em autêntica fraude, não cumprindo o objectivo bondoso que revestem. E, em boa verdade, os trabalhos para casa acompanham a vertente da instrução enquanto elemento do acto educativo, esta regida sob a batuta da escola, à família se reservando, em larga escala, a tarefa da socialização.
As escolas deveriam utilizar os trabalhos para casa de modo criterioso, e o tempo naquelas passado deveria bastar para a aprendizagem quotidiana, tendo em conta que a maior parte das vezes tanto os pais quanto os filhos já chegam cansados a casa. E se a execução da tarefa se torna penosa para uns e outros, então perde todo o seu sentido, inclusiva e mormente o pedagógico, justamente o mais apetecível e pretendido. O momento da chegada a casa e do reencontro deve revestir-se de contentamento, partilha de relatos de experiências vivenciadas em cada dia. «É importante que a escola não comprometa a sua relação com a família e com o próprio aluno». «Se a escola organizar bem o seu horário, faz menos sentido o trabalho para casa, porque haverá tempo para tudo no espaço escolar. Se, pelo contrário, o estabelecimento de ensino for desorganizado, gerir mal o horário ou não estimular a descoberta, a tendência será colocar a família submersa em tarefas escolares». Num diário repetitivo e entediante casa-escola-casa, as crianças dispõem cada vez mais de menos tempo de qualidade, útil e produtivo com os pais, longe dos seus afectos, das suas atenções e dos seus carinhos, sobretudo quando a instituição escolar se preocupa, crescentemente, em as absorver intra-muros, regressando a casa saturadas.
«Neste ano, o que peço é apenas  tempo para brincar e para abraçar os meus pais e os meus avós ...  A  verdade  é  que  estou muito cansado e quase nem falo com os meus papás! Assim, já não sei se gosto da escola. Sou muito pequenino para tanta coisa… tantos momentos diferentes num horário que me custa entender ... o esforço é grande porque às vezes já não ouço bem o meu professor … Por isso, Pai Natal, arranja-me tempo para ser criança…». À criança respeita o inalienável «direito fundamental de ser criança no tempo de ser criança».
Escrevo segundo a antiga ortografia.

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3596

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