A opinião de ...

Os Ilusionistas

No início da década de setenta, do século passado, encontrei numa prateleira da livraria Mário Péricles, em Bragança, um livro cujo título despertou, de imediato, a minha atenção: “O Ilusionista das Salas”. Pensei, inicialmente, ser um livro de outra natureza por estar numa secção especial e bem conhecida do grupo que frequentava o Chave d’Ouro. Afinal o tema era mesmo o ilusionismo. Tanto assim que, após a sua leitura senti-me capaz de, numa récita liceal, me atrever a apresentar vários números de ilusionismo. Apesar de alguns terem corrido bem, a prestação foi fraca e serviu para me dissuadir de ir mais longe, nesta área. O que impediu que a minha performance fosse um fracasso total foi a interiorização de um dos princípios básicos desta arte: é preciso atrair a atenção dos espetadores para um ato, gesto ou situação, onde nada de especial acontece, para que o truque aconteça longe da sua visão.
Quando assistimos a algumas campanhas, sobretudo nas disputas internas dos partidos, ficamos com a sensação de que os candidatos se apresentam perante os seus eleitores tal como os ilusionistas nos palcos, insistindo em trazer para a boca de cena o acessório para que o principal fique na penumbra, longe do olhar dos interessados. Que interesse real, para o destino do país, pode ter a política de alianças, delineada ao milímetro, do candidato a candidato à chefia do governo da nação à liderança da sua oposição? Quando muito poderia ter alguma utilidade o traçar de linhas vermelhas ou conceções, a bem da nação... mas nem isso pois tais projeções não resistem às “necessidades” do momento (como aconteceu nos Açores) nem às provocações circunstanciais dos opositores (como aconteceu na votação do último orçamento). E isto é válido para os incumbentes e, igualmente, para os pretendentes. O importante é saber quais as propostas, quais as soluções, quais as apostas, quais os propósitos para Portugal e para os portugueses. E isso é mais importante que os acordos necessários para os levar a bom porto. E, muito mais ainda, do que a famosa lista de deputados, cuja elaboração tanto tem encarniçado os contendores. Para quem há de colocar a cruz, no boletim de voto, no dia 30 de janeiro, que diferença decisiva faz quem ocupa o último lugar elegível da lista, por Lisboa ou Porto, de um dos maiores partidos? E, provavelmente, até os primeiros de vários outros distritos. E, sendo verdade que as eleições são a primeira e principal ferramenta do regime democrático e que este se baseia nos partidos políticos, recolhendo nelas a respetiva legitimidade, é bom não esquecer que não é por isso que decide sempre bem, como disse Schumpeter. E, sobretudo, recordar o que, recentemente, escreveu Miguel Poiares Maduro, no jornal Expresso: “O poder político pode ser capturado por interesses partidários de curto prazo”.

As eleições partidárias antecipadas (no PSD) e adiadas (no CDS), tão próximas das eleições legislativas vieram demonstrar o verdadeiro significado de dedicação ao interesse público nacional: a indigitação dos cabeças de lista. Receio bem que os arranjos políticos anunciados sirvam mais os “interesses partidários de curto prazo” do que o real desenvolvimento lusitano.

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3861

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