A opinião de ...

“Diante da globalização da indiferença, a alternativa é humana” (Papa Francisco)

O Papa Francisco, na sua linguagem sempre acutilante e assertiva, coloca-nos em confronto com a nossa mais íntima forma de ser e de estar, isto é, na atitude egocêntrica que habita no mais íntimo de mim mesmo: “diante da globalização da indiferença, a alternativa é humana” (FRANCISCO, 2013) .Curioso que o Cardeal D. Tolentino afirma que “o nosso ego é um ditador prepotente e caprichoso e se não o contrariarmos acabamos por viver uma vida absurdamente egoísta. Nós não somos o centro do mundo”. Aqui está o busílis da questão. Nós não somos o centro de nada, mas deveremos e teremos de ser o centro da vida de alguém. Esta mudança antropológica e ontológica fará (e faz!) toda a diferença.
Saindo de mim para ser no outro vida e propósito, capacita a minha atitude transformadora, potenciando uma verdadeira metamorfose do meu eu e da minha identidade.
Como profeticamente anunciou Lipovetsky, a sociedade moderna padece de um problema: um individualismo e um egoísmo únicos na história. Segundo ele, os indivíduos estão cada vez mais "absorvidos neles próprios" , numa incessante procura por uma identidade pessoal, que, nos dias de hoje, se apresenta como um problema premente e indissociável das profundas modificações culturais em curso.
A este propósito, o Papa Francisco assevera que: “Identidade e alteridade existem juntas e podem coexistir apenas num contexto de coragem, liberdade e oração. A alteridade é vital para a identidade. «Nunca sem o outro», o título de um belo ensaio de Michael De Certeau, é um belo «lema» que pode distinguir a existência humana, que encontra no relacionamento a sua plenitude e o seu sentido último. Um coração dobrado sobre si mesmo fica doente e «incrustado» com escórias que impedem a sua pulsação saudável e vivificante. O relacionamento tem a sua própria «respiração», que precisa de ritmo e oxigénio limpo, condições garantidas apenas pela presença do outro. A minha identidade é um ponto de partida, mas, sem alteridade, ela cai em ouvidos surdos, murcha e corre o risco de morrer. Sem o reconhecimento da alteridade, não apenas o outro morre, mas também eu morro. O aspeto importante, no entanto, é que, para ser «completo», esse reconhecimento deve abrir-se ao reconhecimento da liberdade do outro. Este ponto é crucial. Aqui, vamos mais uma vez ao coração do Cristianismo” .
O Papa Francisco tem contribuído com diversas reflexões que tendem a ser uma luz para a humanidade, cada vez mais mergulha numa indiferença globalizada. A este propósito Rodrigo Pereira afirma que: “a sua preocupação com o avanço do individualismo e a instauração no mundo da globalização da indiferença, acende um sinal vermelho para a humanidade que está a perder a sensibilidade pelo cuidado com o próximo” . Bem sabemos que a indiferença nasce daquele individualismo que acaba, mais cedo ou mais tarde, por negar a dignidade inalienável e inegociável da pessoa humana. Diz ainda Rodrigo Pereira, de forma taxativa: “é ainda notório que o mal, neste contexto pós-moderno, faz-se presente na ausência de sensibilidade humana, por isso, a indiferença chega à consciência dos indivíduos que não mais se escandalizam diante do mal. Ou seja, o mal acaba por ser banalizado e o sentimento de indignação já não desperta diante dele, por isso, se evita pensar eticamente” .
O desafio actual passa por uma aposta, acérrima e determinada, num humanismo que seja integrador e dignificador de todos, com todos e por todos. Senão, é caso para dizer, como acertadamente afirmou António Gomes Lacerda (e autor e pensador brasileiro): “na estrada da vida, uns passam deixando saudade, outros trazendo alívio”.

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