(Parte I) Identidade e diferença num mundo globalizado «A identidade nacional constrói-se numa dinâmica de confronto»
“Eu sou tu quando eu sou eu” (Paul Celan)
A identidade nacional (a portuguesa, em particular) resulta, inevitavelmente, dum processo de comparação com outras identidades e, em algumas circunstâncias, resulta numa reação de cariz mais bélica, quase numa tentativa última de afirmação da sua pertinência enquanto povo e nação.
A este propósito é muito interessante ver todo o processo de definição de uma identidade e marca. Podemos constatar na literatura antiga portuguesa uma procura por sinais divinos que atestem e/ou sustentem a ideia de Portugal como nação e como povo desejado por Deus para um propósito e para uma missão única e intransmissível. Esta procura de sentido, gerou, de forma mais ou menos evidente, a fabricação de narrativas algo mitolizadas, com toques epopeicos, podendo observar isso nas Crónicas de Fernão Lopes, passando pelos Os Lusíadas de Luís de Camões e, acabando, com A Mensagem de Fernando Pessoa.
Portugal, dada a sua situação e condição geográfica, encontra-se, particularmente durante a baixa Idade Média e, mais tarde, no período dos Filipes, numa procura de consolidar a sua independência e identidade numa luta com a sua (única) vizinha Espanha.
Volvidos aos tempos hodiernos, a inquietação que resulta do processo de globalização é da preservação de uma identidade local em detrimento de uma identidade global. Convém reforçar que estas não deverão ser vistas como contrárias, mas como complementares, procurando cada uma ser e dar o melhor de si para que ascenda uma identidade mais inclusiva e agregante.
Maalouf relembra o perigo para a procrastinação em chegar a uma definição, mais ou menos contundente e transversal, de uma (nova ou renovada) identidade que responda, assertivamente, aos anseios, aos sonhos e aos desejos de uma sociedade que se quer mais altruísta, mais inclusiva, mais solidária, mais edificante e mais humanizada. Diz ele:
“Na era da globalização, com esta mistura acelerada, vertiginosa, que nos envolve a todos, impõe-se uma nova conceção de identidade – urgentemente! Não podemos contentar-nos em impor aos milhares de milhões de humanos desamparados a escolha entre a afirmação descomedida da sua identidade e a perda de toda a identidade, entre integrismo e desintegração. Ora, é isso que implica a conceção que ainda prevalece neste domínio. Se os nossos contemporâneos não forem encorajados a assumir as suas múltiplas pertenças, se não conseguirem conciliar a sua necessidade de identidade com uma abertura franca e descomplexada às diferentes culturas, sentir-se-ão obrigados a escolher entre a negação de si mesmos e a negação do outro, estaremos a formar legiões de loucos sanguinários, legiões de alucinados” (MAALOUF, 2023, p. 39).