A opinião de ...

Comunicar melhor é ganhar saúde!

Portugal tem uma baixa literacia e, no caso concreto da ciência e da saúde, temos particular dificuldade. Ou seja, temos cidadãos alfabetizados, que sabem ler e escrever, mas que têm dificuldade em perceber e interpretar o que acabaram de ler. A pandemia por COVID-19 veio deixar ainda mais claro que esta é uma questão na qual não podemos deixar de investir para inverter essa tendência.

Fala-se em desinformação como qualquer tipo de conteúdo e ou prática que contribua para o aumento de informação falsificada, não validada ou pouco clara/transparente, ou para afastar os cidadãos do conhecimento factual da realidade. E durante a pandemia assistimos a níveis nunca vistos de desinformação, sendo certo que a forma como algumas crenças e mitos se disseminaram tem de nos fazer reflectir.

Algo que talvez não fosse habitual para o público em geral foi assistir à ciência a ser desenvolvida em directo. O processo científico é feito de avanços e recuos, de estudos que apontam num sentido e outros que apontam no sentido oposto. Mas é com o avolumar dos estudos e do número de pessoas envolvidas nos estudos que vamos consolidando o nosso conhecimento sobre uma determinada questão.

Para uma população com baixa literacia científica, não é fácil reconhecer que as fontes de conteúdos científicos não são todas iguais. Há vários autores que propõem uma hierarquia das fontes, mas é do mais elementar bom senso considerar que um estudo que envolve uma dúzia de indivíduos não pode ter a mesma validade do que um que envolva vários milhões de pessoas.

Contudo, foi precisamente isso que aconteceu com a (falsa) percepção de que as vacinas podem causar autismo. O “estudo” que descreveu essa associação foi publicado por Andrew Wakefield em 1998 incluía apenas 12 crianças. Veio até a comprovar-se que os dados tinham sido fabricados, o estudo foi inclusivamente retirado da publicação científica onde tinha sido publicado, e Andrew Wakefield perdeu a sua licença como médico. Hoje temos milhões de crianças vacinadas à volta do mundo e não há um único estudo que aponte para uma associação entre a vacinação e o autismo. Ainda assim, há quem continue a divulgar informações falsas sobre esta matéria.

Particularmente no que diz respeito às vacinas, estas são muitas vezes vítimas do seu próprio sucesso, pois ao reduzirem muito a ocorrência de várias doenças acabamos por mudar a nossa percepção de risco em relação a elas. O tétano é um bom exemplo disso mesmo. Temos uma vacina muito eficaz (administrada aos 2, 4 e 6 meses de idade) que temos de reforçar (nas crianças, adultos e grávidas), mas esquecemo-nos frequentemente de o fazer na idade adulta, pois não conhecemos (e ainda bem) casos de tétano no nosso contexto.

Temos que apostar em mais e melhores conteúdos que cheguem à população. E isto depende não só de criar conteúdos válidos cientificamente, mas também elaborados de forma a que a informação seja percebida pela população alvo. O vocabulário da área da saúde é muitas vezes técnico, de difícil compreensão para quem não é da área, e é importante ter mecanismos de o “simplificar” e que permitam a aquisição dos conhecimentos por parte de toda a população.

Uma boa campanha deve envolver os vários sentidos e deixar-nos capacitados para fazer as melhores escolhas para a nossa saúde. Um bom exemplo é a campanha “Siga o Assobio” da Direcção-Geral da Saúde, em 2019, que visava promover a prática de actividade física (https://www.sigaoassobio.pt/pt). Além do assobio, que eram alguns acordes de uma música facilmente reconhecida por quase todos (Chariots of Fire, de Angelis), havia a participação de pessoas de múltiplas idades, contextos socio-económicos e até com incapacidade, promovendo a percepção que a actividade física é mesmo para todos, tendo cada um que identificar o que mais se adequa à sua própria circunstância, mas também a sua preferência.

Há uma enorme escassez de profissionais de comunicação, e que tenham particular experiência a comunicar saúde. E, portanto, urge criar capacidade nesta área, articulando o trabalho dos profissionais de saúde que criam os conteúdos, com aqueles que têm a capacidade de o fazer transmitir de forma assertiva para a população. Precisamos comunicar de forma mais eficaz, para termos mais e melhor saúde!

Ricardo Mexia
Médio de Saúde Pública

Edição
3933

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