Nordeste Transmontano

“Podemos esperar uma quebra de faturação de cinco a sete por cento por cada mês de quarentena”

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2020-03-19 12:37

Paulo Reis Mourão, economista transmontano antevê tempos difíceis para a região mas vê uma grande luz ao fundo do túnel.

O Covid-19 pode ter um impacto de cinco a sete por cento na faturação do comércio tradicional por cada mês de quarentena. Este é a expectativa de Paulo Reis Mourão, economista transmontano (natural de Vila Real e docente na Universidade do Minho) que aceitou fazer, em exclusivo para o Mensageiro de Bragança, uma perspetiva do que aí vem em termos económicos.

“As várias análises a partir do IETI – Índice da Economia de Trás-os-Montes e Alto Douro - mostram que a economia transmontana tem ciclos próximos dos da economia nacional. Em média, episódios pandémicos têm tido valores de referência na ordem dos 1-2% de quebra no produto ‘per capita’ nos países afetados. Há também uma certa sobre-reação no período posterior, com crescimento significativo dos gastos públicos e privados. A nossa economia transmontana, com a sua especificidade – dependente do setor público nacional e com dificuldades de alavancagem do investimento próprio vai sofrer com as restrições nos hábitos de consumo, com a fragilidade de algumas unidades produtivas da região e com a quebra notória no Turismo (a variável que para mim mais vai demorar a reagir)”, disse Paulo Reis Mourão ao Mensageiro.

Por outro lado, “a favor temos a ‘transmontanidade’ – o comércio local pode aproveitar o momento para ver algumas lojas desaparecerem mas aqueles negócios que tiveram alguns recursos acumulados e sobretudo de gestão familiar não sentirão de sobremaneira a quebra no consumo como as grandes cadeias com centenas de funcionários e valores empatados nos fornecimentos e nas entregas”.
No entanto, “dependendo da duração, diria que podemos esperar uma quebra na faturação esperada no comércio em redor de cinco a sete por cento do ano passado por cada mês de quarentena”, sublinhou.
 
 Recuperação da Economia mas com danos irreparáveis

Paulo Reis Mourão lembra que em crises anteriores “houve sempre recuperação mas também houve danos irreparáveis na economia e sobretudo na demografia”.

Por outro lado, e como também já admitiu o Primeiro-Ministro, António Costa, “é mais do que certo” que o superávit previsto para 2020 fica comprometido. “Já antes o era quase em surdina”, acrescenta.

O economista entende que há “tantas medidas que ainda não foram avançadas” e que seriam importantes neste caso.
“Desde logo, um plano fitossanitário urgente de modo a que a Produção não fique ainda mais comprometida, motivando os trabalhadores para o trabalho em segurança”, enumera.

Para além disso, “a suspensão das obrigações fiscais pelo menos em dois meses”. “O reforço da linha de apoio a dificuldades de tesouraria e a associação do Estado a esquemas de seguros de produção, distribuição e armazenamento, bem como a reconversão das empresas com dificuldades de tesouraria e operacionalidade” são outras medidas sugeridas.

 

Propagação esperada mas sintomas comuns aos de uma gripe

 
Quanto à disseminação do vírus pela região, Paulo Reis Mourão explica que, “até agora, percebemos todos alguns pontos”, nomeadamente que “o contágio é elevado”. “A morbilidade é alta em termos de grupos de risco. Portanto, a profilaxia existente – enquanto não surgir medicamento alternativo tem sido de uma certa ‘solidariedade com os grupos de risco’. Nenhum de nós sabe como o organismo reagiria com Covid-19 e portanto na dúvida podemos aceitar que temos uma probabilidade razoável de pertencer ao grupo de risco. Mas a maioria dos casos tem sido tratado assintomaticamente ou com sintomas comuns aos de uma gripe. Parece-me que vamos ter aquilo que na Economia do Comportamento se aplica de ‘exaustão da paciência’ ou ‘relativização do risco’, isto é, o risco moral – quando os Sistemas de Saúde (Públicos + Privados) perceberem uma certa capacidade de acomodar os casos mais graves (não todos os atuais infetados) – capacidade que agora não está segura – vão diminuir as defesas impostas à população, até porque a própria população aguenta quarentenas/estados de sítio com alguma limitação temporal e psicológica”, explica o investigador.
 
Setores produtivos aguentam “três meses”

O investigador transmontano explica que “a generalidade dos setores produtivos – até pela perecibilidade das matérias de base – começa a sofrer de histerese a partir de três meses”. “Mas outros setores (e cada agente/empresa) tem prazos diferentes, geralmente mais curtos”, ressalva.
Paulo Reis Mourão recorda que uma crise com proporções comparáveis em solo europeu já aconteceu há mais de um século.
“Nunca há duas crises epidémicas/pandémicas iguais. Em solo europeu, a mais recente e com magnitude brutal foi a Gripe Espanhola de há 100 anos, comentada pelos nossos avós. Talvez a mensagem global seja a de que:

i)    nada vai ficar como dantes no nosso mundo
ii) os sobreviventes vão receber tempos recheados de oportunidades e desafios (e de crescimento económico)  
iii) a nossa Região Transmontana pelas suas caraterísticas pode não ter a severidade dos espaços mais urbanizados e pode receber o pós-Covid19 como uma janela de oportunidades que agora não se vislumbram (até porque geralmente quem melhor sai destas crises é quem – além de sobrevivente natural – soube acumular ‘capitais’ que outros perderam – capitais financeiros, mas também capital social, capital cultural e negocial”.
 

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