Chegodromamente Falando
Qual Luandino Vieira, distinto poeta angolano, julgo ter acabado de inventar o advérbio chegodromamente, formado a partir do neologismo chegódromo, utilizado para designar o recinto destinado à luta/chega de touros, uma tradição muito popular no norte de Portugal, cujo valor identitário é entusiasticamente reclamado por bragançanos e vinhaenses.
Como adepto da boa tradição (um conceito sempre subjectivo), seja ela de que natureza for, parece-me importante que ao tentarmos recuperá-la, perpetuando -a, devemos ser o mais fiel possível, sob pena de, descurando este ou aquele pormenor, a desvirtuarmos.
Este património imaterial que dá pelo nome de luta de touros, ao qual me rendo (que tem no meu pai um confesso adepto), está completamente subvertido na sua essência, porque esses combates se travam, não em campo livre, em eiras e campos de futebol pelados, como acontecia noutros tempos nas festas e romarias de Verão, mas em sofisticadas praças de touros.
De utilidade duvidosa, provavelmente para alimentar egos e caprichos de meia dúzia de pessoas, foi construído em 2013, na fase final do consulado de Jorge Nunes, um vistoso chegódromo em Bragança. Uma infraestrutura que, segundo o então edil bragançano, servia para “…criar condições …com dignidade para os concursos dos animais, seja de bovinos, ovinos ou até do cão de gado…”, e “outras actividade que lá possam decorrer são complementares”.
Admitindo, pois, a bondade e a importância do dito chegódromo, não consigo perceber, enquanto munícipe, a razão pela qual a Exposição Monográfica do Cão de Gado Transmontano e o Concurso Nacional de Ovinos da Raça Churra Galega Bragançana, certames realizados, respectivamente, dia 25 de Abril e 6 de Maio do corrente ano, ambos apoiados pela autarquia, tiveram como palco o Mercado Municipal de Bragança (onde compramos a fruta e os legumes), desafiando, assim, esse bem jurídico vulgarmente conhecido por saúde pública.
Chegando-se à conclusão que, afinal, o dito chegódromo não é tão necessário quanto se fazia crer – será utilizado, quando muito, não mais do que uma vez por ano -, na minha modéstia opinião, devia ser convertido num pavilhão desportivo, obviamente com as devidas adaptações, coberto, de preferência, porque numa cidade como Bragança é lamentável que haja apenas um pavilhão, o municipal (um verdadeiro multiusos), para servir toda a população, que cada vez em maior número se entrega à prática desportiva.
A ideia da “conversão” não parece disparatada, tendo sido, ainda que pontualmente, já ensaiada. Não sendo “complementares” um concurso de gado e uma qualquer modalidade desportiva, nem em termos semânticos, nem pela natureza dos mesmos, a verdade é que, num fim – de – semana do mês de Fevereiro, não consigo precisar qual, realizou-se no dito chegódromo, cujo piso é de terra batida, um torneio de futebol de petizes, em condições a roçar a indignidade, pela falta de condições que, para aquele fim, o espaço não poderia oferecer.
Convenhamos, uma conversão que, a acontecer, teria duas leituras: faria dos decisores pessoas mais conscientes e sensatas; por outro lado, seguindo o bom exemplo dos montalegrenses, era a devolução da dignidade aos touros contendedores, dando a possibilidade ao Mantorras e ao Pinheiro de pelejar em espaço aberto, num ambiente que respeitasse a sua própria natureza, devolvendo-lhes a sensação de liberdade.