Algarveland e Portuglish
Carregamos às costas um passado de expansionistas e colonizadores, nem sempre prestigiante, enculturações e aculturações forçada e forçosamente levadas a termo em casos múltiplos. Se descobrimos um ou outro canto, achámos muitos, onde a civilização ocidental jamais havia chegado, penetrante. Sendo que o colonialismo é detentor de duas faces, conhecida a do sujeito, que, triste e enganosamente deixámos, facilmente percebemos a do objecto. E passar de uma à outra foi menos que mero entretém.
Quando o povo dos brasis gritou nas margens do Ipiranga, estava inscrito em tal gesto a pretendida desenraização da nossa mão protectora (se alguma vez o foi...). Não se entende, pois, que, a séculos de distância, prossigamos e persigamos teimosamente um acordo ortográfico que os próprios brasileiros rejeitam. E não estão sozinhos. Por mim, vejo nele uma submissão clara da nossa língua à língua brasileira, quando me parece ser esta a radicar naquela e não o seu contrário. Enquanto for gente, recusar-me-ei, simplesmente, a abdicar do que é meu, marca inequívoca da minha cultura, para me subordinar a algo que não me pertence nem de que sou pertença.
Visito o Algarve (ou Allgarve?...) anualmente e confronto-me, em crescendo, com uma submissão e uma subserviência fastidiosas e escandalosas aos súbditos de Sua Majestade, aqueles que, vivendo na ilha, nos dizem, arrogantemente, continentais, diferentes eles de nós. O episódio do mapa cor de rosa já se desfez das mentes individuais e colectivas, e o tratado de aliança viveu sempre e exclusivamente num mesmo e único sentido. Somos, invariavel e teimosamente, assim. Os serviços e o comércio cativam-nos de formas servilmente chocantes e chocantemente servis. Tudo se escreve em inglês e tudo se diz em inglês. Por vezes, exclusivamente em inglês. Ao ponto de causar perplexidade nos próprios residentes, tantos deles vítimas do assim instituído. E de passagem se diga que uma boa parte de tais visitantes não sabem ser nem estar, bebedeiras continuadas, com os excessos das mesmas provindas. Os bares, abertos até às tantas, debitam decibéis musicais insuportáveis (porventura até com infracção das regras), unicamente para os atrair. Como os atraem iscos postados às respectivas portas, pouco faltando para os empurrar para o interior. E, uma vez entrados... Crê-se que dêem uma pouco boa imagem das terras de origem, porventura os desfavorecidos que atravessam o mar, em busca do que lhes é mais acessível e da vassalagem que lhes é prestada. Porque, em nome de uns cobres, tudo lhes é permitido, sem que, minimamente, de nada sejam impedidos. Berram, atropelam na sua passagem quando senhores já de minguado equilíbrio, gritam às mesas e nas mesas daquilo que consomem, importunam, de consciência etilicamente vaporizada. E sabem que o podem fazer: fizeram-no ontem, fazem-no hoje, amanhã o farão. Em nome da tolerância e da impunidade. Porque são eles. E, em nome de uma economia frágil, estão salvaguardados; tristemente salvaguardados. Como se nada mais houvesse para lá de economia. Pobre economia esta, que vegeta a esta sombra instrumental. E, ainda que legalizada, não irá, tantas vezes, além de mera economia paralela. Porventura, a maior parte das vezes...
Escrevo segundo a antiga ortografia