“Si vis pacem para bellum” ou “Si vis pacem para pacem”?
(Se queres a paz prepara a guerra ou se queres paz prepara a paz)?
Volto ao tema: a guerra, que abordei em “Nós, a Felicidade e o Silêncio” no nosso Semanário. Por duas razões. A primeira é o medo que nos invade, é considerar o Outro como inimigo que urge destruir. Num oportuno artigo, publicado no Le Monde Diplomatique, de junho de 2024, Dominique de Villepin, ministro que subiu na hierarquia da direita francesa como um delfim de Jacques Chirac, refere os aspetos morais, éticos e políticos: “A guerra não é o caminho mais curto para a paz”. Relembro as palavras de Francisco ditas no domingo de Páscoa deste ano: “A paz nunca é construída com armas, mas estendendo as nossas mãos e abrindo os nossos corações”.
A segunda razão é pessoal. Participei na guerra colonial na então colónia da Guiné. Vivenciando e tomando notas esparsas, in situ, primeiro, lendo e refletindo, ao longo da vida, afirmo: sou pacifista no sentido de os povos se entenderem, porque a guerra faz sofrer, anos e anos a fio, aqueles que aspiram por segurança e paz para sobreviverem: em Mianmar, Sudão, Chade, Haiti, Gaza, na fronteira russo-ucraniana…Confesso: ainda não fui capaz de fazer a catarse completa desta fase da minha vida. Vi famílias destroçadas nas aldeias guineenses, separadas em dois campos: do “nosso lado” e do lado do “inimigo”. Explico: havia pessoas que estiveram “localizadas” junto dos aquartelamentos militares dos portugueses durante cerca de 13 anos – do nosso lado (?), portanto; havia pessoas que acompanharam a guerrilha – estavam do outro lado, famílias “separadas”, ou seja, alguns dos seus membros “eram portugueses”, outros faziam parte do “inimigo”, eram considerados “turras”. Bombardeamentos, emboscadas, golpes de mão, feridos, estropiados, mortos…Vi mães, mulheres e noivas chorando cá os seus soldadinhos…lembram-se do poema “Jaz morto e arrefece”, de Fernando Pessoa? Na minha trilogia – “Guiné-Crónicas de Guerra e Amor”, “Milando ou Andanças por África” e “Margens – Vivências de Guerra”, mostrei o que senti nos encontros e desencontros de uma guerra para a qual foram convocados centenas de milhares de jovens de ambos os lados. Onde a segurança? Onde a capacidade de existir dignamente? Onde a consideração pelo Outro?
Recordemos: em várias regiões do Planeta ocorrem distúrbios, conflitos e guerras suicidários, porque competitivos, desagregadores, causadores de morte e destruição. De par com o desespero provocado por secas, inundações e incêndios gigantescos. A guerra entrou numa espiral de banalização. Chegámos a este paradoxo: fazer a guerra por razões securitárias – reclamam os poderosos influenciadores da opinião pública, envolvendo-nos em compromissos e interesses económicos, que contrariam os direitos humanos. Sabemos, contudo, que a segurança (sanitária, ambiental, económica, política, social e cultural) do Homem e do Planeta é um assunto de dignidade humana, nunca de armas. Cabe lembrar Saramago: parece que o mundo está sequestrado, amputado, condicionado, onde há os “bons” e os “maus”. Restará alguma esperança para os que sofrem? Será uma utopia pretender a paz ou estamos dominados pela sempiterna distopia – o “normal belicismo”? Barbárie ou liberdade?