50 anos de Abril: Balanço político e social. II.II. 4. Segurança Social ou o direito a viver com dignidade
Na escala dos direitos na filosofia política democrático-liberal, o direito à vida é o primeiro e mais importante dos direitos individuais. Foi consagrado por Oliver Cromwell em 1641 como Habeas Corpus. Já o direito a uma vida digna é uma construção político-social com ritmos diferentes conforme a evolução do Estado Social, em cada país. Mas a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, de 2016, deu uma grande ajuda à disseminação do conceito.
Curiosamente, em Portugal, o uso da expressão é anterior, de 1997, por António Guterres e Ferro Rodrigues, inserida nas políticas de aprofundamento do Estado Social que só foi definido como prioridade política pública em 1969, por Marcelo Caetano, nos alvores do IV Governo do Estado Novo, sendo iniciado em 1970, com a II Reforma da Segurança Social.
O conceito de direito a uma vida digna, em 1997, marca uma viragem fundamental do Estado Social português: institui a responsabilidade colectiva pela pobreza e pelos pobres. Doravante, passou a ser responsabilidade do Estado e da Sociedade a ajuda a pessoas em situação de pobreza e privação e ainda à integração dos pobres no mercado de trabalho. Esta segunda exigência nunca nenhum Governo nem ninguém cuidou dela a sério e, por isso, a maior parte dos ajudados financeiramente continuou pobre e em privação porque a melhor forma de manter alguém em privação é sustentar-lhe a privação sem lhe ensinar uma forma qualquer de «pescar».
O conceito de direito a uma vida digna marca uma outra viragem fundamental: pressupõe o fim do Estado Assistencial e o início do Estado de Segurança Social, pelo qual ninguém em privação pode ficar de fora do sistema de apoios sociais, como refere Frei Bento Domingues em Público, de hoje, 9 de Junho, limitados apenas quantitativamente pelas capacidades financeiras do Estado, com base em prioridades políticas e sociais. De qualquer forma, neste aspecto, o Ministério da Segurança Social é o que está dotado de mais recursos financeiros, com 40.000 milhões de euros no OE 2024, o que representa 38% do total do OE.
Numa avaliação comparada do nosso sistema de Segurança Social, diremos que ele cumpre todas as funções dos sistemas de Segurança Social dos países do Centro da Europa. Questão-outra é saber se assegura os recursos necessários e a resposta é não porque, apesar de eles terem acompanhado, como não podia deixar de ser, a evolução da economia, são ainda insuficientes para uma vida digna. Tiveram um aumento significativo, em número de subsídios e seus montantes, mas, definir um limiar de pobreza em 509,26 euros quando o ordenado mínimo é de 835 euros parece um exagero pelo desincentivo que o limiar de pobreza pode representar em relação à procura activa de emprego. O mesmo poderíamos dizer em relação aos montantes e duração do subsídio de desemprego e de outros subsídios. No entanto, nem uns nem outros são suficientes para uma vida digna. Há muito caminho a percorrer, sobretudo na evolução da economia para sustentar a despesa.