O que carregamos?
O título do presente texto tem a designação da peça de teatro “O que carregamos?”, que foi exibida no Teatro Nacional de S. João, Porto. Trata-se de um “exercício de tolerância” como se escreveu no Público – construído pelo Grupo de Teatro do Lado de Fora, com direcção artística de Rui Spranger. Através de uma linguagem simples e cativante e encenação movimentada por diversos atores, incluindo pessoas da assistência, foca questões de exclusão social. Em dado momento da peça, há uma personagem que pergunta, um pouco perdida no palco, dirigindo-se à audiência: onde é que eu sou?
Caros leitores, eis um tema que não se refere somente – penso – à exclusão social, à questão da intolerância tão em voga, à desigualdade, à solidão e à tristeza dos que se sentem do lado de fora da sociedade (olho, frequentemente, com estes meus olhos, para os excluídos, os home less, deitados em cartão, algures por ruas de Lisboa e do Porto). A peça refere-se, igualmente, a outras formas de exclusão também preocupantes, ligadas à nossa vida quotidiana, pois “parece que se vive num mundo sozinho” – como alguém referiu no debate após a representação cénica. Na verdade, o que carregamos? A peça, quanto a mim, pretende, para além de nos fazer refletir, tornar-nos revoltados, não uma revolta silenciosa, mas algo que nos faça emergir do marasmo a que muitos políticos pretendem destinar-nos. Há poucos espaços de vizinhança e de conforto e de pertença de comunidade. Há movimentos centrados no ódio que banaliza as relações sociais de comunidade, alavancadas em ideias simplistas (não digo simples, reparem), corrosivas e destruidoras do sentimento humano, dos valores que norteiam o Homem.
Carregamos muito mais do que a situação dos sem-abrigo: o interior do País continua isolado, excluído (até quando? será para sempre? temos esperança?...). A exclusão social tem a ver com uma franja da sociedade, que inclui os idosos (no essencial, por razões de acompanhamento), crianças em situação de pobreza (embora aparente estar em decréscimo), desempregados (falta uma definição clara das características do desemprego e de quem se encontra nesta situação), baixa escolaridade (famílias com baixo nível de escolaridade, o que conduz a uma frágil intervenção participativa na vida comunitária) imigrantes (a situação de sujeição a formas obscuras de enfrentar uma realidade – a realidade que caracteriza o Homem desde o Neanderthal até ao hoje, como ser migrante ao longo de milénios).
Tenho acompanhado a campanha eleitoral das autárquicas. Tem-se debatido sem profundidade este fenómeno da exclusão social. Uma espécie de vergonha nos assola, um medo de chamar as coisas pelos seus nomes, o receio de enfrentar aqueles que chicoteiam com palavras e atos e propostas os cidadãos que sentem este flagelo da exclusão. Como escreviam Joana Machado e João Queirós no Le Monde Diplomatique (em português, Setembro de 2025): «No futuro, como agora, o que carregaremos será o peso das nossas escolhas sobre a sociedade em que queremos viver». Acrescento: para onde caminha a nossa dignidade?