A opinião de ...

XY6024H2O...

Ano três mil e setenta e nove (3079). Encontro-me algures no meio da água-mãe, num ponto de onde dizem terem partido terráqueos que deram a conhecer ao mundo novas civilizações. Com um simples pestanejar accionei mecanismo telepático existente no cérebro e fiquei a saber, através de receptor situado na estufa à qual pertenço, que este sítio se chamou Portugal. Pelos algarismos implantados nas testas dos viajantes observo ser este local procurado por seres oriundos de sítios diferentes.
Cheguei aqui, vindo das Montanhas Rochosas que dizem terem pertencido ao continente americano, a bordo de uma cidade flutuante. Acostei no porto conhecido por Castelo de S. Jorge. Parece que debaixo destas águas se encontra uma belíssima cidade outrora habitada por Lisboetas. Meu nome diz tudo, sou o XY6024H2O, nasci na estufa XY, tenho 6023 irmãos, pertenço ao mundo H2O. Somos todos iguais, filhos do clone com nome de código ARROP e em todo o Universo somos os cientistas responsáveis pelo maior património da humanidade, a água potável. Tenho duzentos e trinta e três anos e vou analisar a hidro estação ADREM que deu pelo nome de Luso.
O porto do Castelo de S. Jorge é ponto de chegada e partida dos mais diversos flutuadores mundiais. Marquei lugar numa aldeia navegante a caminho do pico do Luso quando surgiu um problema nos propulsores solares. Por comunicação planetária ficou a saber-se da existência de uma oficina com nome Serra da Estrela. Uma construção gigantesca com cúpula em quartzo de transparência cristalina alberga uma das mais famosas oficinas planetárias. De um lado atracam os flutuadores com problemas nos propulsores solares ou nos fabricadores de oxigénio. Do outro, oficinas das melhores marcas de órgãos, oferecem seus serviços a troco de fortunas, medidas em água.
Como sentia um problema no fígado e a resolução no propulsor solar parecia demorada dei comigo a caminho da Hepatilândia. Observei fígados dos melhores criadores, desde os Hipersublimadores de álcool até aos Anticirrose GT. Entre um e outro o preço divergia em mil litros de água. Era uma fortuna atendendo a que ganhava trezentos litros por ano. Como me encontrava em meia-idade e se queria chegar aos quinhentos anos (data-limite de vida para o vulgar marráqueo) tinha de investir. Enquanto estava ligado á máquina que efectuava a troca, fiquei a saber que estava a chegar a nova geração de fígados. Através de uma manipulação genética farão nascer um novo fígado dentro de um corpo. Ficarão conhecidos por órgãos da série OGARAC, nome do cientista inventor.
Meia hora foi o tempo suficiente para a minha reparação e, com tempo de sobra, resolvi enriquecer culturalmente e entrei numa mostra acerca das causas da destruição do planeta. Observei utensílios motrizes com nome de, carros, aviões, motos, navios/paquetes, engenhos industriais e outros de menor importância. Eram todos movidos a um combustível com origem no petróleo. Era um líquido extraído do interior da terra, que deu origem às mais sangrentas guerras e produziu a hecatombe do planeta, uma vez que os gases libertados da sua combustão romperam a camada protectora do ozono. O degelo polar afundou os continentes e hoje a humanidade sobrevive em cidades flutuantes que dependem exclusivamente de oficinas situadas nos pontos mais elevados da crosta terrestre. As reservas de água potável estão nos limites pois não chove há trezentos anos e as temperaturas, fora das estufas, atingem 75 graus.
Algo no meu fígado parecia não correr bem pois um forte ardor nas orelhas seguido de uma luminosidade intensa nas pálpebras estavam a provocar um mal-estar no organismo. Tinha ponto de matemática nesse dia e meu pai, para me acordar, beliscou-me a orelha esquerda e abriu a janela. Tinha acabado a carreira do hidro -cientista XY6024H2O.......

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