A opinião de ...

Violência Doméstica: Uma Praga em Crescendo

 
Os dados estatísticos não enganam: de acordo com a Organização Mundial de Saúde, no ano de 2013, em Portugal, 39, 4% dos idosos foram vítimas dos mais variados abusos. Desses, 3,6% são de natureza sexual, e 2,8% dizem respeito a agressões físicas.
Segundo um relatório publicado pela APAV (Associação de Apoio à Vítima), a violência física contra crianças, no seio familiar, aumentou, no nosso país, no ano de 2013, comparativamente ao ano de 2012, mais de 170%, sendo que quatro dessas crianças morreram às mãos dos agressores.
Também em 2013, no universo feminino, de acordo com a mesma instituição, o cenário reveste-se de contornos de crueldade: 39 mulheres foram mortas pelos maridos, companheiros e namorados.
Estes factos levam-nos à seguinte leitura: o ser humano, cada vez com maior propensão para se associar e aderir ao progresso e aos avanços tecnológicos e civilizacionais da sociedade a que pertence, continua visceralmente amarrado a uma mentalidade cavernícola, de ser invertebrado, sem evoluir no caminho da lucidez, da moral e da decência.
Nos compêndios do comportamento humano, diz-se que a violência doméstica, motivada, na maioria dos casos, pela cegueira do ciúme, é uma manifestação de poder e de controlo da parte do agressor, na qual as vítimas, sejam esposas, companheiras ou namoradas, são continuamente submetidas a maus tratos físicos, psicológicos e sexuais.
Numa visão mais epidérmica, diria que uns e outros, os que, no seio familiar, agridem, sob todas as formas, os filhos, as mulheres e os idosos, agem não segundo o estereótipo da virilidade máscula, mas da mais abjecta e vil cobardia. Porque só gente desprezível é capaz de exercer violência contra quem, por si só, não se consegue defender. Porque só um canalha trava uma luta, sabendo que o seu “opositor” parte em desvantagem.
É, pois, com base nesta ideia, e porque atribuo uma grande importância ao significado das palavras, que manifesto o meu desagrado pelo uso da expressão “crime passional”, para descrever as motivações dum uxoricida. Uma razão que entronca na ideia de que “quem ama não mata nem agride”. E não a subscrever é reduzir o amor e a paixão a um sentimento menor, atribuindo-lhes o mesmo valor semântico contido em palavras para definir comportamentos de dimensão patológica.
À falta de uma ideia mais original, ousando, até, substituir-me os profissionais dos distúrbios da mente, aconselharia a quem manifesta patologias com tendência para os impulsos violentos, como quem exorciza os demónios, experimentar aquela terapia que consiste na auto – flagelação, batendo repetidamente com a cabeça na parede. Se não resultar à primeira, recomendo a insistência.
Perante este drama social que devia envergonhar a sociedade, eis a pergunta: conseguir-se-á, algum dia, inverter a tendência? A resposta dependerá necessariamente da atitude que cada um de nós, como seres humanos e cidadãos, adoptarmos perante o drama alheio. Uma ambição tanto mais difícil quanto sabemos que nesta sociedade, de valores e prioridades invertidos, é muito mais fácil albergar um cão abandonado do que acolher numa instituição uma mulher, um idoso ou uma criança vítimas de violência doméstica.
Não se mudando as mentalidades, e se não nos perturbamos perante o infortúnio do próximo, declarando guerra (pela indignação, dizendo basta) a quem permanentemente recorre à violência gratuita contra os mais fracos e dependentes, julgo que comemorar o dia internacional do idoso, da criança ou da mulher terá um significado pouco expressivo; direi, quase provocatório para os homenageados.

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