A opinião de ...

As boas medidas e os efeitos perniciosos

Tem sido notícia desde a semana passada (tal como o foi aqui no Mensageiro), a proposta de arranque de uma regionalização encapotada por parte do Governo de António Costa, através da transferência de atribuições das entidades regionais do Estado para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (as CCDRs), que passam a ser uma espécie de governos regionais, sem o serem.
Desde logo, qualquer medida que passe pela desconcentração do Estado e a aproximação do cidadão seria uma boa medida, pois aproxima a resolução de necessidades daqueles que as têm (as necessidades), facilitando o seu acesso a serviços públicos.
No entanto, o que esta medida parece indicar não é mais do que a mesma concentração de que as populações do interior se queixam. A diferença é que em vez de os serviços estarem concentrados em Lisboa passam a estar concentrados noutros pontos, como Porto ou Coimbra, todos no litoral.
No discurso de encerramento do Congresso Federativo do PS/Algarve, em Lagos, António Costa, citado pela Lusa, sublinhou que entre o Estado e os municípios não pode haver “o vazio da região” e que é fundamental que as CCDR “não se limitem a desenhar os planos de desenvolvimento regional, a gerir os fundos comunitários ou a apreciar os planos de ordenamento” que os municípios lhes propõem.
Mas encafuar, numa mesma organização (CCDR) que se transforma numa super-estrutura, cujos responsáveis nem sequer são eleitos pelo povo, tem tudo para correr mal.
Veja-se o caso da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte, por exemplo. Tem sido um dos poucos organismos cuja estrutura diretiva foi possível manter na região (ao contrário de outras, que já desapareceram, como a do ICNF). A ideia será manter os serviços na região. OK. Mas a autonomia de decisão, quer política quer administrativa, estará diluída dentro da CCDR, que passará a ter mais um patamar hierárquico entre o cidadão e o decisor. Isso não é desconcentrar, bem pelo contrário.
Para além de que a regionalização, tal como está consagrada na Constituição, implica ser votada em consulta popular, e não imposta de qualquer maneira. Há muitas formas de estragar boas medidas. E estas são apenas alguns exemplos.

Um destes dias, um amigo, ligado à saúde, dizia-me que o problema dos atrasos nas consultas de especialidade tem por base uma boa medida. É que, com atrasos, passa a haver motivo para pagamentos extraordinários para resolver a situação.
Não quero acreditar que isso seja possível de acontecer, pois seria colocar a ganância num patamar absurdo, sobretudo quando faltam (tantos) recursos ao Serviço Nacional de Saúde, que é de todos nós. Mas já os espanhóis diziam não acreditar em bruxas, mas “que las hay, las hay”...

Edição
3912

Assinaturas MDB