A opinião de ...

Sinais contraditórios

Com o agravar da situação da pandemia em Portugal, o Governo tem estado a apertar as medidas de contingência a adotar. Mas, tal como tem acontecido desde o início desta crise sanitária, a mensagem acaba por ser contraditória.
A comunicação em tempos de crise deve ser o mais simples e objetiva possível, para evitar mensagens contraditórias. E, já se sabe, os portugueses gostam de complicar. O próprio Primeiro-Ministro já pediu desculpas por esse facto.
A decisão de dar tolerância de ponto aos funcionários públicos nas próximas duas segundas-feiras, véspera de feriado, ao mesmo tempo em que insiste na obrigação de as pessoas ficarem em casa (com vários concelhos do distrito de Bragança em confinamento a partir das 13h00 no fim de semana).
Ora, fomentando um fim de semana prolongado, potencia-se precisamente o oposto do que se pretende.
Por outro lado, ao abranger a função pública, deixa muitos patrões e empregados com outro problema. O encerramento de escolas e creches vai deixar muitos pais sem terem onde ou com quem deixar os filhos (potenciando mais mobilidade para os avós, por exemplo), sem haver uma clarificação do tipo de figura a que esses pais terão de recorer: dias de férias, faltas justificadas, perda dos dias de salário).
Muitas vezes, a sensação que fica é que as medidas são tomadas num papel, ao conforto de uma secretária, e completamente afastadas do país real...

Entretanto, o Papa Francisco defende, num novo livro intitulado ‘Vamos sonhar juntos’, escrito com o jornalista Austen Ivereigh, seu biógrafo, que a pandemia representa a “hora da verdade” para que a humanidade promova mudanças de fundo contra a injustiça e a desigualdade.
“A crise da Covid-19 parece única porque atinge a maior parte da humanidade. Mas é especial apenas pela sua visibilidade: existem mil outras crises igualmente terríveis, mas dado que para alguns de nós parecem distantes, comportamo-nos como se não tivéssemos nada a ver com isso”, refere Francisco, numa das passagens da obra, divulgadas pelo Vaticano e pela imprensa, citado pela Agência Ecclesia.
Neste livro, Papa aborda questões como as guerras, tráfico de armas, migrações e refugiados, pobreza e fome ou as alterações climáticas.
A obra, que vai chegar às bancas a 1 de dezembro, deixa críticas aos “negacionistas” da pandemia, lamentando que estes manifestantes não protestem também diante de situações de violência ou racismo, dando como exemplo a morte do afro-americano George Floyd (25 de maio).
“Alguns grupos têm protestado, recusando-se a manter a distância, manifestando-se contra as restrições às viagens – como se as medidas que os governos devem impor para o bem do seu povo constituíssem uma espécie de ataque político à liberdade individual”, indica o Papa.
Francisco fala em pessoas “incapazes de sair do seu pequeno mundo de interesses”, alertando para situações de crise social, como “as favelas, onde as crianças carecem de água e educação”.
Em conversa com Ivereigh, o Papa explica que a sua preocupação com a ecologia está ligada à defesa da vida humana, ao contrário do que referem alguns dos seus críticos.
“Se pensas pensa que o aborto, a eutanásia e a pena de morte são aceitáveis, será difícil que o teu coração se preocupe com o envenenamento dos rios e a destruição das florestas. E o mesmo se diga do contrário”, precisa.
Francisco critica ainda uma ideologia da “sobrevivência do mais forte, sustentada por um mercado sem travão, obcecado pelo lucro e pela soberania individual”.

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