Deus, Liberdade e violência
Muitas são já, em todo o mundo, as análises aos atentados contra os jornalistas do jornal satírico Charlie Hebdo e contra o proprietário (judeu) de um supermercado, em França, no passado dia 7 de Janeiro. Damos por adquirido que foram perpetrados por extremistas islâmicos, eventualmente membros da Jihad islâmica (Guerra Santa) contra o Ocidente e contra os valores da civilização ocidental, de matriz judeo-cristã (judaísmo e cristianismo, sendo este ou ortodoxo, ou católico, ou protestante/evangélico) e de matriz republicana, laica, incorporando as tradições democráticas e fazendo do contratualismo o modus operandi da construção da ordem social.
Contra os princípios destas correntes e religiões, posiciona-se o Islamismo, reivindicando para si o exclusivo da verdade religiosa, histórica e social. O seu Deus, Alá, e o seu profeta Mahomé, exigem uma obediência absoluta e uma sociedade totalitariamente confessional.
Como é possível a história da humanidade pós-neolítica ter produzido religiões tão contrárias entre si, dando-se por adquirido que Deus é uma necessidade de todos os homens, mesmo se sob a forma de ideia orientadora da civilização moderna (Kant, 1794) ou ainda se na forma de garantia dos princípios morais e sociais laicos da ordem republicana e democrática contemporâneas? Haverá um Deus do ódio e um Deus do amor? Ou, pelo contrário, são as diferentes leituras de Deus e da sua mensagem que fazem as religiões diferentes?
Interpreto o móbil do ódio dos muçulmanos ao Ocidente como radicando em aspectos económicos e de exclusão social deles nas sociedades onde estão inseridos e em guerras passadas mal resolvidas, a par dos aspectos religiosos. Estes é que são manipulados por muitos líderes islâmicos para manterem o ódio aceso contra o Ocidente, conseguindo com isso a coesão interna dos seus povos e do mundo islâmico. Aliás, o mesmo tem acontecido com a perseguição aos judeus, alimentada, quase exclusivamente, pela inveja face ao sucesso económico e cultural dos mesmos, apesar de estes, com o seu isolacionismo religioso, étnico e cultural, também fazerem muito para serem ostracizados.
Ao aceitar a vinda massiva de muçulmanos para o seu seio, o Ocidente deu uma prova de generosidade e de filantropia cristã (não judia), que fazem perdoar os muitos erros cometidos ao longo da história das duas religiões. Esqueceu-se, porém, de que um déspota não pode ser tratado democraticamente enquanto déspota. Faltou a exigência de um compromisso ético e civilizacional e a definição de um código de punições para os infractores. Só assim o déspota pode evoluir para democrata e vir a aceitar a liberdade de pensamento, de expressão e de organização como princípio de vida, que deve ser regulado para manter simétricas e justas as relações de poder e de acção entre os indivíduos
Não se trata de impedir os muçulmanos de praticarem a sua religião. Essa é uma conquista da ordem social laica, remetendo as religiões para o domínio privado. O importante é a educação para a liberdade, de modo a prevenir a violência dos invejosos, dos ressabiados, dos rancorosos e dos fanáticos.