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O novo desemprego

O novo desemprego

A actual dificuldade de arranjar habitação pelo seu elevado preço, sobretudo nas cidades médias e grandes, tem sido objecto de abordagens várias em diferentes periódicos, a mais original das quais me pareceu ser a de David Pontes, em Público, com o título «Habitação – o novo desemprego» que, aliás, inspira o título deste artigo.
Refirir-me-ei apenas a três artigos, todos muito bem construídos e cujos títulos são bem sugestivos: «O sofá alugado, a vida num quarto e o despejo à vista», de Isabel Leiria e Raquel Albuquerque, em Expresso1; «A habitação é o novo desemprego», de David Pontes, em Público2; e «Habitação: não queremos sair de Lisboa»3, de Carla Pinheiro, Rosário Conceição e Alessandra Espossito, em Público.
O fenómeno é conhecido de todos os portugueses porque, havendo 100.000 professores, 20.000 médicos, 25.000 enfermeiros e pelo menos 400.000 estudantes mais não sei quantos milhares de indivíduos de outras profissões em constante rotação no emprego e na residência, todos já contactámos com a dificuldade de arranjar habitação na localidade de trabalho ou já ouvimos falar dela.
À já existente – desde há três anos – falta de apartamentos para arrendar mas nem por isso para vender e comprar, juntou-se a gula do mercado na subida dos preços pelo excesso de procura. E, assim, havendo quem estivesse disposto a pagar 1.200 euros/mês por um T2, a 4 kms do centro de Lisboa ou do Porto, por que se haveria de pedir menos ao requerente arrendatário? E se os requerentes arrendatários fossem estrangeiros, fosse da China ou da Papua Nova-Guiné, que mais daria, se pagassem?
A este fenómeno de saída forçada dos portugueses do centro das cidades chamei «a construção das novas periferias urbanas por expulsão do centro» e o já referido David Pontes «Habitação – o novo desemprego», pelo elevado preço a pagar pela habitação, que absorve todo o salário.
Este actual problema da habitação é um bom exemplo da contradição entre um governo de retórica socialista reguladora e uma prática neoliberal pela ausência de prática real de travagem da subida dos preços. E quando se quis dar a impressão de intenção reguladora pelo Programa de Arrendamento Acessível, preferiu-se dar o ouro ao bandido pelo perdão fiscal na taxa de IRS a tabelar efectivamente os preços do arrendamento pelo estabelecimento de critérios objetivos de avaliação e limitação de valores.
É assim a esquerda do caviar, expressão utilizada pela primeira vez por Laurent Jofrin, em França, a propósito do Governo Miterrand ou champagne socialist, na Grã-Bretanha, a propósito de Tony Blair, significando a hipocrisia entre o dizer e o fazer ou, dizendo de outro modo, «os outros podem estar mal desde que nós estejamos bem».
Não pode ser assim.

1 https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2458/html/primeiro-cadern…, acedido a 7 de Dezembro de 2019, 22h00.
2 https://www.publico.pt/2019/12/07/opiniao/editorial/habitacao-novo-dese…, a cedido a 7 de Dezembro, 9h17.
3 https://www.publico.pt/2019/12/04/local/opiniao/habitacao-nao-queremos-…, acedido a 4 de Dezembro, 23h42.

Edição
3760

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