A opinião de ...

SARS-CoV-2 e Saúde Pública

Trago ao leitor três depoimentos acerca da experiência ‘vivida’ por pessoas concretas que contraírem o SARS-CoV-2 – cujos nomes, como compreendereis, não revelo. Curaram. Felizmente.
Vejamos:
1.ª Doente de 74 anos, do sexo masculino
“Inicialmente, fiquei em casa, pois a minha mulher já fora internada com este vírus; os meus filhos levavam-me a comida a casa; de seguida, fui internado e estive nos cuidados intensivos em coma induzido durante quinze dias.
Esta é uma doença do ‘desamparo’; houve momentos que pensei em deixar-me morrer”.
2.ª Doente de 54 anos, do sexo masculino.
“Tive a doença; primeiro pensei tratar-se de uma gripe, mas comecei a sentir muito cansaço, fraqueza e dificuldade em respirar, tosse e falta de paladar. Pareceu-me que o mundo iria desabar. Estive internado numa enfermaria, onde fui atenciosamente atendido por médicos e enfermeiros. Saí do hospital ao fim de trinte e três dias.”
3.ª Doente de 23 anos, do sexo feminino
Sou estudante, a concluir o meu curso de…, dei-me conta da minha falta de concentração, seguida de falta de ar, de cansaço excessivo; liguei para a linha SNS24; fizeram-me o teste: eis o maldito! Comunicaram-me que deveria ficar em casa, com a recomendação de telefonar se me sentisse pior. Fiquei desesperada, não poderia sair nem encontrar-me com colegas; telefonei a uma colega, que me deixava comida já confecionada à porta de casa. Foram cerca de 20 dias de grande luta interna. Pois eu não queria morrer, de todo. A minha amiga ajudou-me, devo-lhe muito, porventura a vida”.
Que comentários me permito tecer? Somente dois.
Primeiramente, de natureza sanitária. Todos sabemos, pelo que amplamente é divulgado, que advêm problemas quanto à saúde física e quanto ao sofrimento psicológico. É verdade que apesar de ainda serem escassos os estudos científicos, é correto afirmar-se que existem implicações na saúde mental e física, individual e coletiva. Conclui-se dos depoimentos que há o medo de morrer, de infectar outras pessoas, de se afastar ou de sofrer abandono e desamparo ou de perda das relações com familiares e amigos. Aos profissionais de saúde ouvimo-los relatar situações de desespero e de cansaço (Burnout), além de sofrerem e até morrerem.
Em segundo lugar, uma questão de natureza jurídica que respeita, por um lado, aos direitos, liberdades e garantias individuais plasmados na Constituição (artigo 18.º); por outro, ao chamado interesse público, a saúde pública, como um bem de toda a comunidade. Coloca-se, então, a conhecida controvérsia atual: saber se temos o direito de ser opositores à vacinação – o designado “negacionismo” – ou se, dada a gravidade da doença e a sua dimensão mundial, se deva defender que a saúde pública se impõe como a medida certa para a proteção coletiva. Neste caso, como noutros (a vacinação é um dos grandes acontecimentos da História da Ciência e do Homem), não será de tornar obrigatória a vacinação? Têm a palavra, a Medicina, o Direito, a Bioética, a Psicologia e a Sociologia.
Ficam dois desafios: (i) aos estudiosos fornecerem o cabal esclarecimento dos cidadãos, muitos são leitores do MB; e (ii) aos líderes negacionistas exige-se uma reflexão sobre a abordagem sócio-ecológica da saúde pública e a atenção ao sentido evolutivo do Direito e da Medicina na era globalização.

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3833

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