A opinião de ...

“É tão só estar só no fim1”

A vida é mesmo uma ‘caixinha’ de surpresas! Deus, na sua infinita bondade e misericórdia, consegue sempre surpreender-nos. No Domingo da Misericórdia (II Domingo do Tempo Pascal, Ano C), antes da celebração da Santa Missa numa das minhas (muitas) comunidades vinha a escutar a música “Se houver um anjo da guarda” do Pedro Abrunhosa (do Álbum ‘Longe’, ano de 2009). Ficou-me na retina e na memória a forte e intensa expressão “é tão só estar só no fim”. Sim, é duro – muito duro estar só – sem ninguém, sem a presença de quem me ame autenticamente, sem ter a mão na mão daquele que me acompanha para o fim do fim, sem poder ‘partir’ para a Casa do Pai, para a Páscoa eterna, sem sentir o calor do abraço que une o coração do que sofre ao que ama.
Foi neste ambiente de profunda reflexão que o próprio Evangelho do dia (cf. Jo 20, 19-31) nos interpelava a que, sem a presença do Ressuscitado, sem o encontro fundante e fundamental com o Ressuscitado, nunca sairemos dos nossos medos, dos nossos fracassos, da nossa escravidão e servidão ao pecado. Neste trecho do Santo Evangelho pudemos escutar a forma como os discípulos se encontravam, isto é, com medo, com as portas e janelas fechadas. Estavam, na verdade, desolados! E Tomé – aquele a quem muitos, erradamente, chamam de incrédulo – é o expoente maior daquele que, depois de depositar tudo (!) em alguém, se sente traído nas suas expectativas, se sente magoado ao ponto de não acreditar em nada e em ninguém. Nós somos como Tomé: quando nos magoam profundamente, quando somos tratados com desprezo e desconsideração, quando somos violentados e intimamente lesados, o que fazemos nós? Não nos escondemos? Não nos fechamos em nós mesmos? Não nos fechamos em nossa casa, na escuridão do seu interior? Não nos tornamos incrédulos perante as palavras e o testemunho dos outros? Não nos tornamos incapazes de (voltar) acreditar? Sim, tudo isto acontece! Tomé, sentia tudo isto no seu coração e por isso disse: “Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei”. No entanto, depois do encontro com o Ressuscitado, depois de sentir a Paz e a Luz do Ressuscitado, torna-se naquele que expressa a mais bela e profunda palavra de Fé: “Meu Senhor e meu Deus”! Com efeito, é só nesta experiência com Ressuscitado que a vida evita ser vazia, escura e sem luz, confusa e sem esperança, sem paz e sem sentido. Aliás, o encontro com o Ressuscitado traz sentido ao sentido!
Seguindo o pensamento anterior sobre as maravilhas que Deus opera em cada um de nós, queria partilhar-vos outro belo acontecimento que me deixou, profunda e intimamente, pleno. No preciso momento em que acabara de ouvir esta fantástica música do Pedro Abrunhosa, ao iniciar a Santa Missa vejo uma criança sentada na escadaria da porta principal da Igreja. Aquela criança olhava para mim como que se estivesse à espera que eu ou alguém a convidasse a entrar. E para meu grande espanto, alguém se levanta (curioso que esta pessoa que se levanta estava na primeira fila dos bancos da Igreja! Como Maria, a primeira na Fé, é aquela que vai buscar os últimos! Belo isto!), vai ter com a criança, envolve-a, beija-a e, com uma indescritível bondade, condu-la até o interior da Igreja, ficando esta no último banco. Assim que se senta, as ‘avós’ da comunidade rapidamente se abeiram desta criança no sentido que ela vista a camisola para que não fique doente. Que encanto este testemunho da comunidade! Assim que começo aclamação do Evangelho, convido-a vir até ao Altar, para junto de mim. E sabeis o que aconteceu? Deu um salto, veio a correr até ao Altar com um sorriso de orelha a orelha.
Mas o que têm de importante estes acontecimentos? Representam, desde logo, a acção discreta e bondosa de Deus nas nossa vidas, e como a comunidade orante deve acolher aquele que se encontra com medo, fechado em si, sem luz e sem paz. Tal como os discípulos, antes do encontro do Ressuscitado, também se sentiam vazios e sós. Perderam a fé, a esperança e o futuro! Quantos de nós não nos sentimos assim: perdidos, sem rumo, sem vida e sem sentido?! Compreendemos, pois, que compete, primeiramente, a cada um de nós deixar que Cristo entre no mais íntimo de nós mesmos para abrir e escancarar as janelas e as portas da nossa alma, do nosso coração, a fim de que a Luz, a Graça e a Paz possam entrar e alojar-se em nós mesmos. Quando isto acontece, a vida encontra sentido: sabemos quem somos, ao que estamos destinados, sabemos que não mais estaremos sós, que temos um futuro e que, mesmo no fim do fim, Deus tudo (e sempre) providenciará.
Voltemos à criança. Sabeis o que ela me disse no final da Santa Missa? “Senhor Padre, gostei tanto, tanto, tanto, que no domingo vou trazer a minha mãe!” Na verdade, quando fazemos ‘o encontro’ com o Ressuscitado a vida ilumina-se e ficamos de tal maneira tão plenos e tão felizes que somos impelidos anunciar a tudo e a todos, convidando os demais a esta experiência formante e transformadora.
Corramos o risco de confiar em Deus! Façamos este passo em direcção àquele que tudo pode e que tudo dá. Sem Ele seremos sempre vazios e incompletos, sem Ele seremos sempre escravos do medo, incapazes de confiar e de amar plenamente, sem Ele estaremos sempre sós. Como diz o músico Pedro Abrunhosa, “Se houver um Anjo da Guarda, /que me abrace /e se guarde dentro de mim, /é tão só estar só no fim. /Porque é tão só estar só no fim”.
Saibamos ser sempre aqueles que vão ao encontro dos que ‘estão fora’, ser capazes de os envolver e acolher, de os trazer ‘para dentro’, de sermos como a comunidade desta criança que vos falei. Ah! Falta dizer o nome desta criança: o nome dela é Francisco! Que São Francisco Marto (um dos Três Pastorinhos de Fátima) nos ajude a sermos mais e melhores discípulos do amor e da luz do Ressuscitad

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