Manuel António Gouveia

O protesto

Não há dúvida de que protestar é uma condição de quem se vê contrariado no seu modo de estar e de fazer; de quem se vê privado da liberdade de agir a seu bel-prazer; e de quem entende que determinada imposição não cabe na lei ou, na falta dela, nos costumes e tradições. Contudo, falando da privação da liberdade, nunca é demais afirmar que a liberdade de cada um acaba no momento em que essa liberdade vai interferir com a liberdade dos outros.


O muro caiado

Dizia-me, há tempos, um grande amigo que, quando lhe apresentavam uma pessoa ou se via obrigado a contactar alguém pela primeira vez, ficava sempre de pé atrás, até que, pela convivência, chegasse à conclusão de que essa pessoa ou esse alguém lhe merecia ou não a sua confiança.
E parece que tinha razão.
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Aquele era o muro mais belo que havia por ali. Olhando-o de longe, via-se mesmo que era um monumento que tinha sido erguido para regalo de quem conseguia aperceber-se da sua existência!


Uma decisão impulsiva

A senhora Rita das Arcadas de Baixo, uma viúva para os seus quarenta e tal anos, sem filhos, e que vivia sozinha, andava sempre irritada. E agora muito mais, porque, ainda há uma semana, na feira dos 30, comprou uma burrita para a ajudar nos trabalhos do campo; e melhor fora que não a tivesse comprado! Sempre evitava as estrondosas gargalhadas que, por causa da compra, ainda ecoam por toda a aldeia!


Atravessar o rio a vau

Penso que não há ninguém que me desminta, se afirmar que só no verão é que consigo atravessar o rio a vau, sem molhar os pés, muito embora, possa surgir um grave desequilíbrio em cima duma alpondra, e vá sujeitar-me a uma arreliante molha que me fará cair na cama. Isto acontece, quase só, devido a algum descuido grave, ou então à confiança que tenho, criada pela rotina. Devo, pois, estar atento ao conselho: “Lembra-te de que, mesmo que atravesses o rio a vau, é possível que algumas vezes te vejas obrigado a molhar os pés”.


Alcançar a felicidade

esperança de que a felicidade vai chegar um dia, não haverá caminho, por mais difícil de percorrer, que não pareça amaciar os perigos que nele nos espreitam. E então, sem desistirmos, iremos, pouco a pouco, encurtar a lonjura que nos separa desse bem-estar, tal como o caminhante que, perdido na escuridão, retoma as forças e se sente reviver, quando ao longe, avista um pontinho de luz que, mesmo a lucilar, lhe leva a certeza de que segue pelo caminho certo.


Um raio de esperança

Por vezes, o desânimo e o medo completam-se para destruir as mais legítimas ambições que o homem procura alcançar.
Quando, depois de lutar com todas as forças, e ao fim da luta, não conseguir atingir o objetivo que me propus encontrar, é natural que o desânimo comece a tomar conta de mim.


A mesa bem servida

Quando vires uma mesa bem servida de comida, lembra-te de que há milhões de pessoas que nem mesa têm.
Tomando esta afirmação como certa, repare-se que há, na sociedade em que vivemos, uma grande injustiça movida pela disparidade entre os que tudo têm e os que nada têm. Esta constatação tem vindo a repetir-se, de dia para dia e de ano para ano, sem que tal situação revele tendência a desaparecer.


O Entrudo 21

Escrevo antes do dia 16 de fevereiro, terça-feira de Entrudo. Não sei como vai passar-se o dia a que outros chamam Carnaval. (Como sou transmontano, aprendi que esta festa dedicada à folia e precede a quaresma é o Entrudo. Por isso, as raízes que ainda me prendem àquela terra obrigam-me a chamar-lhe assim).


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