A opinião de ...

O Mata-Bicho Para o Alberto Fernandes

Na semana passada telefonei ao meu amigo Alberto Fernandes a fim de saber novas e mandados sobre o seu estado de ânimo e saúde da família em face da pandemia. Falou-me que nem um rouxinol madrugador e lembrou-me que nós, os de Bragança, estamos habituados, desde há muito tempo, mesmo muito, a matar o bicho. Enviei-lhe abraços e a promessa de escrever uma crónica relativa ao mata-bicho. É verdade, noutras terras, noutros lados, em todo o País matava-se o bicho, as receitas é que variavam. Falo sobre o passado porque agora tomamos o pequeno-almoço (gente fina é outra coisa) ou seja um almoço diminuto.
Na cidade do Braganção existiam dois tipos de matadores do bicho, os discretos executantes na soledade caseira e os indiscretos, galhofeiros, brigões de língua aguçada (às vezes engalfinhavam-se), sempre prontos a enfiarem mais uma estocada (escorripicharem o copo ou cálice) o bicho com mais umas gotas de aguardente. Mulheres e homens. O bicho matava-se com aguardente, por isso as mulheres da Lombada nos dias gélidos ao chegarem a Gimonde, trazendo brasas a fim de as venderem em Bragança, gritavam: Beatriz, Beatriz, anda vender-nos uma c’roa de aguardente para matarmos o Bicho. A Senhora Beatriz, Mãe do Alberto, mulher de muita garra, padeira, nas horas que não tinha amanhava a horta, cuidava das aves de criação e ajudava o marido nas suas tarefas.
As vendedeiras de brasas desapareceram por vias do progresso, tal como desapareceram os fantasmas nos castelos ingleses após a instalação da luz eléctrica nos seus salões e restantes divisões.
Ora, em Bragança abundavam os especialistas no ofício de extirparem o bicho, desprovido do objectivo de os qualificar de campeões, considero o pernas de alicate Marvel e o voz cavernosa Belisário como dignos «avi rara» executores do vírus através da aguardente na companhia de um punhado de figos secos. A propósito de figos secos trago à colação o pai do Luís Silva.
Na ânsia (conseguida) de propiciar melhor mantença e futuro aos filhos o Senhor Silva e a respectiva prole vieram para Bragança. Na cidade abriu uma taberna junto à Igreja de S. Vicente, num prédio de esquina a roçar a antiga Caixa Geral de Depósitos. A fama não tardou dada a competência culinária da mulher e da sua mãe, por isso mesmo os clientes estorvavam-se junto ao balcão no qual pousavam os copos e copinhos depois de os esvaziarem no caso em apreço da disputada água de vida. O Senhor Silva acicatava os palatos dos matadores do bicho colocando ao seu alcance figos secos. Num repente a taberna passou a ser a Taberna do Figo Seco muito afamada pelas iguarias nela servidas especialmente nos dias de feira quando eram servidas refeições completas. Naquele tempo e na época fritavam-se lampreias e enguias vindas de Barca de Alva envolvidas em serapilheiras e depositadas em cestos.
Nas emblemáticas tabernas bragançanas como nas locandas de fama atribulada o bicho também se extirpava com vinho, peixe frito (capatão, carapau e peixinhos do rio) na companhia de moletes bem cozidos, sem esquecer os bolos de bacalhau dourados pintalgados de verde salseiro de salsa, e espetados em palitos.
Os tempos mudaram o bicho que nos atormenta espera uma vacina capaz de o exterminar, até lá vamos rindo amargamente num ritual de paciência e resignação. Aguardemos!

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