A opinião de ...

Coreografia existencial

O desporto, em geral, e o futebol, em particular, extrai e depura o melhor e o pior de cada um de nós.
A razão, entre outras, é porque está ligado às emoções, aos nossos afetos, aos nossos gostos e adesões e, portanto, ainda que não seja ipso facto, a uma certa dimensão irracional.
Acresce que, levada a situações de máxima tensão, pela ânsia intrínseca à condição humana de ver obtidos triunfos, mais se evidencia uma certa ambiguidade do verdadeiro eu das pessoas no trato dado aos outros. Os árbitros que o digam...
É um reflexo, em microescala, da sociedade, pois revela não só as suas grandezas, mas também as suas misérias, os seus valores e os contravalores, os estereótipos, as modas, os preconceitos que impregnam o pensar e sentir coletivo de uma sociedade que se reproduzem, às vezes, com mais veemência, pela sua função libertadora, no futebol.
Assim, num campo de futebol e à volta dele, se pode expressar não só o melhor da pessoa, mas também o pior, por atitudes verdadeiramente cavernícolas.
Como disse Albert Camus, Filósofo e Prémio Nobel da Literatura, “tudo o que eu sei sobre a moral devo-o ao futebol”, mas também é verdade que se pode acrescentar que um estádio de futebol pode incorporar toda uma panóplia de comportamentos inaceitáveis.
Veja-se agressões a adeptos, jogadores, treinadores e suas famílias, apedrejamento de autocarros, pessoas (crianças inclusive) impedidas de se apresentarem com os adereços do seu clube nos casos em que joga como visitante, insultos racistas, agressões a jornalistas, comentadores a incentivar à violência, gangs de malfeitores e criminosos organizados, etc.
Por tudo isto, não se pode deixar de fazer tudo para que o desporto sirva para unir e não para separar, para ensinar e não para dar maus exemplos.
Neste sentido deu gosto ver na despedida dessa verdadeira lenda do ténis mundial, Roger Federer, os seus principais adversários, Rafael Nadal, Novac Djokovic e Andy Murray, aqueles com quem disputou inúmeros jogos e torneios, que lhe venceram muitas vezes com certeza, mas que o tornaram também por isso melhor atleta e melhor jogador, a conviver e até a chorar por ele!
Sabemos que no futebol, como fenómeno de massas, numa sociedade alienada e marcada pela competitividade exacerbada e do ganhar a qualquer transe, não é fácil verificar esta prática. Mas já o vimos a unir as pessoas em causas maiores com o “respect”, que os capitães trazem na braçadeira, ou “no to racism”, entre outras.
Fica a certeza, como se viu no ténis, e no futebol também pode acontecer, quando se vive autenticamente o desporto, este é uma fonte de autoconhecimento e uma maravilhosa via de crescimento pessoal e comunitário.

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3903

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