A opinião de ...

Ler é preciso

Um imperativo: ler. Deem-me, caros leitores, duas razões para que esta conversa sobre o ler, aqui, no “nosso” Mensageiro, faça sentido. Sim, ‘Mensageiro’ significa – conforme o Dicionário Priberam – “pessoa que leva uma mensagem”, explicitando mais à frente: “anunciador, precursor, pressagiador”. Prefiro, ao caso, precursor. É quem vai adiante e percorre as nossas vidas, o nosso meio, e deambula, e passeia, e assinala, e critica, na busca incessante de despertar-nos para algum facto, alguma personagem, uma realidade neste e naquele recanto da nossa Terra. E dela parte, precursor, para outros mundos.
Partimos e retornamos. Visitamos e extasiamo-nos no regresso. Descemos ao sul e viramos a norte, viajamos até oeste e voltamos a este. Lembro a “navegação de cabotagem” do grande Jorge Amado: friso de aventuras, tantas são que repetimos a leitura. Lembro Lorca no seu “Pranto por Ignacio Mejías”, gritando «a las cinco de la tarde», e choramos, quedos. Lembro Einstein que dizia simplesmente: se estás com uma bela mulher durante duas horas, parecem-te dois minutos; se te sentares em cima de um fogão quente, um minuto parece uma hora – para explicar a singeleza da relatividade. Lembro Gedeão que nos liberta da geografia humana tradicional em “lágrima de preta”. Lembro Torga que nos abana e assola com a simplicidade que inscreve no poema ‘Confiança’, revelando o verso: «… fica a cepa a sonhar outra aventura» Lembro as esculturas de Amândio Gomes que apaziguam e quase nunca desesperam, que exibem elegância e quase nunca aspereza. Lembro Nadir Afonso com a sua “alma de viajante” sem fadiga que o contenha. Lembro Campos Monteiro que fez a ligação entre Moncorvo e São Mamede de Infesta, sentado numa carruagem do comboio a vapor a escrever romances e poemas. Lembro Adriano Moreira procurando alisar caminhos que percorreu numa vida intensa. Lembro Jorge de Sena, interrogando-se sobre o mal que afligia o País. Lembro Frederico Lourenço a provocar-nos, agora, para a diversidade de pensamento dos evangelhos apócrifos que completavam até ao século XVI os evangelhos canónicos. E lembro o Afonso Praça e o Rogério e o Padre Rebelo e o Álvaro Leonardo e o José Manuel Remondes, também o António Lopes e o Carlos Carvalheira e o José Mário Leite. E todos aqueles de que a Academia de Letras de Trás-os-Montes faz eco. Como é bom saber que há pessoas que cuidam e desenvolvem percursos de leitura nas bibliotecas, como é o caso da ensaísta Helena Vasconcelos. Tanta poesia, tantos romances, tanta pintura e escultura, tanta interrogação, tanta dúvida.
Nas montras e nos escaparates não faltam opções variadas, apelos fortes. Ah, o preço! – admirais-vos. Pois é: a vida não está fácil.
No fundo de mim mesmo, fico triste. Digo para mim: lê, lê, estás a tempo, não desistas, não percas as oportunidades que te restam. Caro leitor, ao menos, sê um precursor do “nosso” Mensageiro. Já é bom.
Vá lá, leitores, ajudem-me e deem-me apenas duas razões para lermos.

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3919

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