A opinião de ...

Cinzas, só cinzas

Já escrevi a minha negação ao acto de reduzir os mortos a creme, pois o vocábulo cremação deriva de creme. Sim, eu não desconheço as razões primaciais que levam à cremação, bem luto, à memória materializada em premissas de corpo presente até à consumição evolutiva, a o defunto ser cinzas, cinzas, creme a depositar num biblôte é que não.
Eu não tenho pruridos em afirmar que penso muito na Senhora da gadanha, na nossa obrigatória finitude, na fragorosa volatilidade dos desaparecidos, de os envernizados fugirem a pés de centopeia do tema em causa, porque a vida são dois dias dizem enjoados e, no entanto, a Senhora vai afiando a lâmina reproduzida em milhões de criações artísticas ao longo dos séculos.
Neste dia de cinzas, recordo familiares e amigos aos quais dedico pensamentos diariamente, também outros menos íntimos, dada a efeméride ser penetrante em termos simbólicos e pungente no que tange aos «meus» mortos sempre visitados quando me deslocava onde estavam enterrados. Visitas a sós de modo a não aborrecer os acompanhantes.
Em numerosos cemitérios para lá da farândola das vaidades, existem elementos de vários tons a chamarem a nossa atenção para a sua importância, sim importância, pois ninguém em seu juízo concebe uma localidade desprovida de cemitério. Apenas os celerados: nazis, sicários de Estaline, Fidel, do Pol Pot, e outros monstros iguais preferem as valas comuns.
Nos últimos tempos, na carnificina da Ucrânia, temos ouvido e lemos nótulas a confirmarem o acima expendido, por cá os crematórios recebem os mortos muitos deles por decisão da família, os cemitérios são, obviamente, locais sagrados. E o leitor tiver disponibilidade, sugiro que vá a Avis e Sesimbra ler as placas de mármore colocadas na entrada dos seus cemitérios.

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