A opinião de ...

Mais do que coincidências

No dia em que escrevo, 18 de julho, o professor Adriano Moreira, nosso conterrâneo e meu amigo de longa data, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pelo Instituto Universitário Militar, em cerimónia presidida pelo Presidente da República. No discurso de encerramento, bem estruturado e com aquele toque pessoal a que nos habituou, Marcelo Rebelo de Sousa aludiu aos encontros e desencontros do homenageado com a história, exemplificando que só houve desencontro por ele “ter chegado cedo demais”. O que não o impediu de há muito ter conquistado o seu lugar na história.
O elogio académico do doutorando esteve a cargo do professor catedrático da Academia Militar, José Fontes, que desempenhou vários cargos na Academia de Ciências de Lisboa, durante as presidências de Adriano Moreira e, também por isso, conhece bem a obra e o homem singular que a academia militar quis distinguir.
Na minha qualidade de vice-presidente, estive presente em representação do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, ausente do país, mais precisamente em Cabo Verde, a participar numa reunião da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).
Emocionei-me ao ouvir Adriano Moreira falar da sua e nossas terras e do seu notável percurso de vida, com a entoação que a força de vontade fazia lembrar, em alguns momentos, o que dantes era, apesar dos seus 100 anos e da dependência da oxigenoterapia. Lembrei-me dos tempos em que convivemos na Assembleia da República, o veterano e a estreante, ocupando bancadas opostas, mas irmanados pelo que Miguel Torga considera “o maior bem que se pode ter: o nome de transmontanos, que quer dizer filhos de Trás-os-Montes” e também pelo amor à língua portuguesa. Quão distante vai o ano de 1989, em que ambos festejámos a concretização do nosso desejo de criação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP). Foi em S. Luís do Maranhão (Brasil), local que o Padre António Vieira havia escolhido em 1654 para pregar aos peixes, que os Chefes de Estado dos então sete países lusófonos assinaram o protocolo para a criação do IILP, que representou o primeiro passo para a constituição da CPLP, que se veio a concretizar em 17 de julho de 1996. Fez ontem 26 anos. Aniversário que quase coincidia com a homenagem ao ilustre transmontano e que justificou a minha presença. Mais uma vez a CPLP nos aproximou.
CPLP, comunidade de oito povos de diferentes latitudes que partilham o mesmo idioma. (Eu sei que a Guiné Equatorial também faz parte, mas não fala português). Comunidade que nasceu, cresceu e se desenvolveu graças ao trabalho árduo de muitos que lhe dedicaram tempo e entusiasmo. Comunidade nem sempre compreendida, nem sempre consensual, nem sempre direcionada em função do objetivo original. Comunidade que inclui a diáspora das comunidades lusófonas espalhadas pelo mundo. Comunidade que dispõe da quinta língua mais utilizada na internet. Comunidade com enormes potencialidades.
A existência de uma comunidade linguística não ilude a pluralidade de culturas. A língua vai antes explorar e aproveitar essa heterogeneidade para potenciar projetos, nos domínios artístico, cultural, social e económico. São os “caminhos e descaminhos criadores” de que fala Pepetela, “que têm moldado a língua portuguesa com as suas especificidades locais, a qual, para ser valorizada internacionalmente como todos desejamos, necessita de um esforço concertado de todos os países em que é falada e renascida todos os dias”. Ou, como afirmou o grande escritor brasileiro Guimarães Rosa, “somente renovando a língua se pode renovar o mundo”.

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