O respeito e a confiança
Já há quase 500 anos que um tal de Luís Vaz, que ficou para a História simplesmente como Camões, escrevia que um “fraco líder faz fraca a forte gente”.
Para mal dos nossos pecados enquanto portugueses, ao longo de 900 anos de História como país, o que não têm faltado são “fracos líderes” que vão fazendo fraca a forte gente que pulula aqui neste cantinho à beira mar plantado.
Em campanha, Luís Montenegro, entretanto eleito primeiro-ministro, garantiu ter traçado ‘linhas vermelhas’ relativamente ao Chega.
A força e a pujança entoadas durante a campanha rapidamente se esbateram quando chegou a hora de negociar o Orçamento de Estado.
Ora, em política, é perfeitamente normal haver conversas e negociações entre diferentes partidos, mesmo de diferentes quadrantes ideológicos. Seria só estúpido se assim não acontecesse.
Deixar-se cair na armadilha do Chega e, sobretudo, de André Ventura logo às primeiras horas da manhã no novo cargo é que transmite a ideia de ingenuidade, amadorismo, enfim, de fraco líder.
A verdade é que traçar uma linha vermelha relativamente ao Chega pode ter dado muito jeito em campanha mas Luís Montenegro deveria saber que não estava em posição de cumprir. Logo, não o deveria ter prometido. A partir do momento em que o fez, tem de ser consequente com o que disse.
Entrar em negociações com o Chega depois de ter dito que não o faria, mesmo que as quisesse manter ‘discretas’, tinha tudo para correr mal pois se há coisa que André Ventura não é é discreto. Para além de ter contas antigas a ajustar com Montenegro nesta matéria de lealdade e confiança. Ventura já por diversas vezes recordou ter sido traído por Montenegro na altura em que era autarca do PSD em Loures.
Todo este processo faz lembrar a célebre história da ‘vichissoyse” entre o atual Presidente da República e o então diretor do jornal Independente Paulo Portas. O futuro líder do CDS contou, em entrevista a Herman José, ter sido atraiçoado por Marcelo, que lhe terá inventado uma notícia de uma suposta reunião no palácio de Belém, em que a ementa era aquela sopa fria de peixe.
“Sobretudo uma pessoa que quer ser primeiro ministro tem de se tornar confiável e tornar-se confiável significa que se possa acreditar nele”, sublinhou Portas. Anos mais tarde, os dois eram líderes do PSD e CDS e firmaram um pacto, a AD. Que acabou com uma entrevista de Portas a Margarida Marante, revelando conversas secretas entre os dois. Marcelo acabaria por se demitir da liderança do partido e nunca chegou a primeiro-ministro, enquanto Portas se tornaria, anos mais tarde, conhecido pela demissão ‘irrevogável’ que não chegou a acontecer.
Luís Montenegro, que até tem uma costela em Rabal (Bragança) está a cair na mesma esparrela e a perder a aura de confiabilidade que lhe permitiu ganhar as eleições, ainda que por muito poucochinho.
Uma margem tão poucochinha que não deixa ‘margem’ para erros destes. Se queria negociar com o Chega, assumia-o. Se não queria, não entrava em encontros escondidos. Porque Ventura não iria deixar passar a oportunidade de espetar a faca a quem considera que o traiu no passado. E se há coisa que não se quer de um líder é ingenuidade.
Foi-se ‘fintar’ em Ventura e acabou ele fintado.