A opinião de ...

Um país desequilibrado e os fogos

É cíclico. A cada verão, sucedem-se as análises, as propostas, as comissões de estudo, os “agora é que vai ser” mas, no fim, acaba tudo na mesma. O país arde, os políticos lamentam-se mas quem sofre é o povo.
O ciclo repete-se há demasiado tempo para haver só um culpado. Mas todos saem impunes.
Nos últimos anos, a maior ou menor prevalência de incêndios no verão não se prende com qualquer política implementada, nesse ano, por qualquer dos governos em funções mas antes pela boa vontade de São Pedro. Em anos como os de 2017 ou este, a falta de chuva tornou o combate ao fogo num exercício de Sísifo, condenado ao fracasso.
Já nos anos de 2021, 2020, por exemplo, para além de a pandemia ter deixado muita gente sem circular, também foram anos de clemência atmosférica, com verões especialmente moderados.
Quando se olha para uma política de proteção civil, deve olhar-se a vários anos e não ano a ano, época de incêndios a época de incêndios, pois essa, invariavelmente, vai correr conforme a meteorologia do momento.
Quem quiser, de facto, olhar para este problema de forma séria e com vontade de, efetivamente, fazer a diferença, deve pegar numa folha de papel e partir do zero.
Porque qualquer solução ou projeto que nasça de uma base deficitária e pré-existente, vai ser apenas um remendo.
Desde logo, temos um país desequilibrado, seja na distribuição de recursos, seja na expansão humana.
Sem uma agricultura sustentável (e não de subsistência, como tivemos ao longo de séculos), é impossível captar pessoas para locais remotos como o Interior Transmontano.
E sem uma verdadeira política de armazenamento de água é impossível ter agricultura sustentável. E por sustentável entenda-se uma agricultura que permita a utilização dos recursos por muitos anos, em completa simbiose com a natureza, e não apenas sustentável economicamente por meia dúzia de anos enquanto se sugam todos os recursos disponíveis na terra até a tornar árida e estéril.
No Alentejo, o Alqueva trouxe um impulso económico e uma transformação do território apenas possível pelo armazenamento da água. No norte do Alentejo, na zona do Crato, irá nascer uma barragem, num projeto de 120 milhões de euros, que vai permitir alavancar aquela região. Para isso, os responsáveis políticos locais juntaram vontades e uniram-se em torno de um projeto único.
Por cá, quem lida com estes processos lamenta a falta de voz uníssona em torno de uma região.
Sem gente no território torna-se difícil proteger os recursos existentes. Muitas das nossas terras estão, agora, ao abandono, até próximas das aldeias. Muitos dos proprietários atuais, herdeiros que há muito abandonaram o Interior em busca de melhores condições de vida no litoral, desconhecem o património que têm. Até porque são muito poucos os estímulos para que se interessem em investir na limpeza, manutenção e exploração dos terrenos que herdaram na aldeia (à exceção dos castanheiros).
Terrenos sem dimensão, com fraca apetência agrícola, populações envelhecidas e aldeias cada vez mais despovoadas. Nada disto se resolve com mais aviões ou carros de bombeiros. Sendo necessários, não são a solução para um problema de muita maior dimensão.
Com a tendência de seca a agravar-se, aliada ao despovoamento crescente do interior (primeiro das aldeias, depois das vilas e, agora, também das cidades), a questão dos incêndios vai piorar muito antes de melhorar.

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