A opinião de ...

Batam em latas, rompam aos saltos e aos pinotes!... (Mário Sá Carneiro - 1890/1916)

Sem pretender estabelecer qualquer correlação entre o tempo em que Mário Sá Carneiro escreveu o poema donde extraí a citação que intitula o apontamento desta semana, curiosamente e sem saber por que carga de água isso aconteceu, logo que tantas e tantas pessoas e personalidades desataram a celebrar, com cânticos e loas, o “entendimento histórico” entre os principais encenadores de mais um ato da tragicomédia grotesca em que transformaram, ou deixaram que se transformasse, o sonho da construção do malfadado aeroporto de Lisboa, veio-me logo à ideia o repto lançado pelo poeta a todos aqueles que, já no seu tempo, eram incapazes de se posicionarem perante a única certeza, com que, inevitavelmente, todos os seres vivos são confrontados: “Mors certa, sed hora incerta”.
E isto tudo porque se, como muito bem diz o nosso povo, “quem torto nasce, tarde ou nunca endireita”, este novo aeroporto, nos últimos cinquenta e tal anos, já foi prometido mais vezes que anos tem a Sé de Braga, em contraponto à euforia dessas tantas e tão solícitas pessoas e personalidades, em vez de entoarem cânticos e loas aos arautos e postilhões de tão feliz novidade, se lhes restasse, um poucochinho que fosse, de dignidade e de bom senso, bem melhor e ajustado seria que em vez de bater palmas, “batessem em latas” e, para a festa ficar completa, enquanto ainda houver tempo para brincar com coisas sérias, que, salvo seja, também “rompessem aos saltos e aos pinotes”.
E tudo isto pelas mais diversas razões, que estão à vista de todos, menos daqueles que são cegos ou não as querem ver, na certeza porém de que, mais uma vez, as espetativas agora criadas não passarão disso mesmo e rapidamente serão trituradas pela voragem do tempo.
E, desta vez, como eu gostaria de estar enganado porque, depois de tantos anos à espera, já era mais que tempo de “o monstro” ganhar pernas para andar e asas e voar o que, ao que tudo indica, ainda não vai ser desta, desfecho que, mesmo contrariando os sonhos megalómanos de quem tem mais olhos do que barriga, ao fim e ao cabo, talvez nem seja tão mau como possa parecer.
Na verdade, não há nada que, no atual contexto, possa dar ao país qualquer garantia de sucesso dum investimento astronómico e plurigeracional num novo aeroporto, feito por um governo que ainda mal largou as fraldas e, ao invés do que seria de esperar, bem pelo contrário, em vez de se afirmar como uma equipa com sentido de estado, competente, empenhada e coesa, mais parece uma tribo de canibais na luta pelos despojos das presas, em que ninguém se assume, ninguém se respeita e ninguém se entende.
Ou muita coisa muda ou, infelizmente, assim nunca mais vamos lá.

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3903

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