A opinião de ...

Haja decoro….

Estão perdidas nos tempos. As memórias do meu vinte e cinco de Abril esfumam-se no labirinto do inconsciente pois teimam, por vergonha, a não quererem enfrentar a realidade.
 
Lá, nos tenros vinte e três anos, ganhei novo fôlego, cresci para o mundo, enfrentei os ventos do contra e deixei-me levar pelas frescas aragens da mudança. Acreditei no nascimento de um novo mundo onde todos, novos e velhos, de mãos dadas, viveriam inebriados entre os seios fraternos da igualdade e da liberdade.
 
Ao fim de quatro décadas poderíamos desfraldar, não fosse a fome que alastra, a bandeira da Liberdade. No entanto o assalto ao poder, a sede insuportável de classes organizadas e unidas por umbigos inchados rumo à diferenciação elitista, fez com que as corporações alargassem o fosso das desigualdades dando origem a um monstro financeiro, ávido glutão, que nos tolhe e atirou para os confins do universo a miragem da Igualdade.
 
No tempo de Cavaco e Silva, um governo irresponsável, de decisões nefastas no longo prazo, drogado pelo néctar dos dinheiros europeus, cavou fundo o fosso desigual, e fez nascer classes de apoiantes eternos, carregados de pergaminhos que os diferenciavam do resto da plebe: juízes, professores, médicos, enfermeiros, forças armadas e militarizadas, funcionários públicos e políticos de toda a espécie. Os privilégios conseguidos com as algazarras organizadas por sindicatos que a História julgará, alimentaram o monstro que Cavaco tentou, sem dó, dar de perfilha a desconhecidos.
 
A mesma explicação suportará o eriçar das pilosidades no tempo de Sócrates pelo beliscar nos privilégios corporativos. Ninguém entende hoje a vergonhosa mudez dos média perante a hecatombe que sobre nós se abateu.
 
E agora, no frente a frente com o escrever da História, eis que um actor politico, renegando profissão de vinte anos, tenta saltar de linha e escapulir-se através de um parágrafo de letras miudinhas.
 
Portugal assiste, atónito, à queda de um mito com pés de barro, à fuga sem castigo dos senhores doutores que se governaram e à triste auto-mordaça dos enraivecidos jornalistas anti-Sócrates, cordeirinhos do actual regime.
 
Os silêncios despodorados, os apoios incondicionais, as verdades ocultadas, as mentiras lançadas nos órgãos de informação, transformaram a Presidência da Republica numa Instituição desacreditada que há muito não garante a defesa dos Direitos Constitucionais à sua guarda.
 
Numa democracia de quarenta anos, com responsabilidades em vinte eis, espanto nosso, que a causa da tragédia está na falta de consensos nos últimos três. Basta, chega, Haja decoro….
 

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