A opinião de ...

A (in)gratidão aos polícias num país seguro

Tanto ao nível europeu como mundial, a segurança em Portugal é uma referência, como os indicadores mais credíveis têm vindo a demonstrar nos últimos anos, colocando-nos no topo dos países mais seguros. Nada têm beneficiado os polícias com o excelente trabalho de serviço público prestado aos portugueses e a todos aqueles que nos visitam para efeitos de lazer e diversão, os turistas, e também àqueles que escolhem Portugal para recomeçar a sua vida, provenientes de diversas origens e pelos mais variados motivos: migrantes, refugiados, reformados, etc. Porquê?
Será porque os políticos que nos governam, agora e nas últimas décadas, entendem que a segurança é um dado adquirido e não necessita de investimento político e financeiro, ou porque se habituaram a que as Polícias digam “sempre presente”, como tem acontecido em todas as exigências que lhe são colocadas pela sociedade, ainda que esta resposta positiva só tenha sido possível à custa do esforço individual e coletivo de muitos dos seus colaboradores que, pela sua formação profissional e consciência ética e como consequência do compromisso de honra, dão sempre o seu máximo, muito para além das capacidades físicas e até intelectuais, em prol do serviço ao Estado e dos cidadãos?
Quando escrevo “muitos dos seus colaboradores” é mesmo intencional. Quero deixar de fora alguns polícias que apenas fazem o mínimo para continuar a ser polícias.
Só muito recentemente me deparei com notícias e alguns artigos sobre o tema “quiet quitting” ou a “demissão silenciosa”. Numa noção muito abreviada, trata-se de uma prática em que o trabalhador se empenha apenas o indispensável para cumprir o mínimo. Longe da máxima “trabalho é vida” para orientação da carreira e êxito profissional. Estabelecem limites claros no seu trabalho para melhorar o equilíbrio entre a vida familiar, pessoal e social e a profissional.
Ao longo de mais de 40 anos de vida profissional, conheci, convivi e comandei polícias que, mesmo sendo excelentes pessoas, eram profissionais de baixo valor, a quem não se podia exigir ou, sequer pedir, nada. Não porque não pudessem ou não soubessem. Apenas porque não queriam. Já praticavam a tal “demissão silenciosa”. Esta recusa não era expressa de forma direta, clara e evidente do tipo “não estou cá”. Era antes um “sim, vou cumprir as minhas horinhas do turno, sem novidade”. A esses não valia a pena pedir qualquer esforço, solicitar uma comparência fora de horas para uma missão mais difícil, ou apenas inopinada. Não diziam que não, porque o estatuto e a disciplina o proibia, mas aplicava-se-lhes aquele ditado popular em que “nada é mais prejudicial a quem trabalha do que a presença daqueles que nada fazem”.
Já é o tempo de os senhores governantes e responsáveis políticos pela área da segurança interna olharem para os seus profissionais de uma forma séria e deixarem-se de promessas que parecem ser a esmola para calar um sem-abrigo. A continuar assim, estes jovens polícias, mesmo sendo poucos, estão a ser aliciados para se tornarem adeptos convictos do “quiet quitting”.
As ameaças à segurança são permanentes e cada vez mais globais. Exigem esforço diário e empenhado. É necessário que os polícias estejam motivados, sejam respeitados e o seu trabalho reconhecido. Também e sobretudo em termos de remuneração.

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3908

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