A opinião de ...

Jornal cor-de-rosa

Morreu Vicente Jorge Silva! Para desgosto meu e de inúmeros admiradores mesmo quando causava irritação, até fúria.
O Vicente conseguiu desencravar o título – Comércio do Funchal – causando sensação pela sua cor de truta salmonada e conteúdos tratados de forma a desagradarem à censura e polícia política salazarista.
Mal o jornal foi colocado à venda o meu estimado e preclaro Amigo Padre Agostinho Jardim Gonçalves enviou-me dois exemplares do semanário madeirense tal como ele é e continuará a ser por muitos e bons anos, ao contrário do CF devorado pelas chamas das transformações sociais.
Alvoroçado logo enviei um exemplar ao Carlos Silva, glorioso professor de matemática, infelizmente já falecido. Se não erro o Carlos e o João Horta tornaram-se assinantes, eu passei a propagandear o novel jornal divulgador das ferinas caricaturas de Siné cujas legendas terminavam sempre em CIA.
Nos finais de 1973, soube-se que o Doutor José Azeredo Perdigão pretendia aliviar vultuosos custos entregando as Bibliotecas Itinerantes à Junta Central das Casas do Povo. Participei numa reunião de emergência no Bombarral composta por Encarregados e Ajudantes de Encarregado onde foi analisada a consequência de passarmos a funcionários do Estado, tendo sido deliberado alertar as populações através da imprensa da nossa confiança capaz de guardar sigilo sobre o restrito encontro e a notícia da «morte» das populares bibliotecas, única fonte de cultura das populações rurais.
O António José Forte redigiu um comunicado e eu o acompanharia à redacção do República porque nele trabalhava o jornalista transmontano Afonso Praça, por seu turno o Forte além de ser camarada de letras também privava com o poeta Fernando Assis Pacheco. Lá fomos, almoçámos repimpadamente com os dois, passados três dias explodiu a revelação, o Presidente da Fundação ficou possesso de raiva, telefonou ao Dr. Raul Rego director o diário republicano, no entanto, os dois jornalistas recusaram revelar a fonte, por isso mesmo o recorte do jornal seguiu para a PIDE como tive ocasião de ver nos primeiros dias do 25 de Abril na Comissão de Extinção da sinistra polícia política.
A propositura do Senhor Dr. Azeredo Perdigão suscitou no seio do grupo «protestante» grave e profunda apreensão, daí ter escrito a Vicente Jorge Silva a pedir apoio e segredo dado vivermos em ditadura. O insigne jornalista publicou-me dois artigos e os esbirros nunca conseguiram saber quem era o autor. As convulsões a seguir à instauração da democracia goraram a intenção, o Serviço de Bibliotecas continuou até 2002, sempre o defendi externamente e dos energúmenos sevandijas internos, um deles de Bragança, com me envolvi numa cena de pugilato em plena Praça da Sé. O Serviço Itinerante e Fixo primeiro. A todo o custo.
Em 1983, nos arredores de Leiria levou-se a efeito a primeira reunião externa visando a constituição do PRD, a maioria dos presentes vinham das hostes socialistas, um foi deputado a representar o PS até há bem pouco tempo, cousa não rara na esfera dos partidos.
Na vertiginosa ascensão e estrepitosa queda do partido da Balança sempre Vicente Jorge Silva demonstrou a sua indulgência ante os nossos erros, sempre nos encorajou e aconselhou. Fosse nos almoços nas Portas do Sol, fosse em Lisboa o «mouco» (tratamento afectivo por ser duro de ouvido) perguntava e procurava entender a gene do partido, as íntimas motivações dos seus principais dirigentes evidenciando o sabido: Vicente Jorge Silva, visceralmente, era jornalista. Tudo o resto paixões mais ou menos duradouras.

Edição
3799

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