A opinião de ...

Não há desculpa para isto

Primeiro a pandemia. Depois a invasão da Ucrânia pela Rússia, a guerra e os seus efeitos. A inflação, a crise energética, a subida do custo de bens essenciais, o aumento da prestação do empréstimo à habitação e outros problemas afins ocupam a nossa atenção. Com as preocupações imediatas, é natural que a qualidade da democracia não seja uma prioridade. É, porém, a democracia que nos confere direitos fundamentais, nos garante o acesso à educação, à saúde, à segurança social e nos protege de discriminações, perseguições e abusos.
Ao contrário de outros tempos, a democracia não está amordaçada, mas está ameaçada pelos que se aproveitam e distorcem normais descontentamentos, difundem a mentira e o ódio e exploram o medo. A democracia não pode ser suspensa nem descurada. Qual planta frágil, tem de ser diariamente cuidada para nos fornecer o ar que respiramos.
No dia 11 de setembro de 2001, o mundo assistiu incrédulo ao ataque terrorista às Torres Gémeas em Nova Iorque. Nesse dia, fomos todos americanos a chorar os mortos e a condenar os terroristas. Decorridos vinte anos, a dia 6 de janeiro, o mundo assistiu horrorizado à invasão armada do Capitólio, perpetrado por um bando de insurretos instigados pelo ex-Presidente Donald Trump. “Como é possível?”- era a pergunta recorrente. Foi possível porque muitos toleraram os excessos de um presidente impreparado para a função, mas bem preparado para usar com eficácia e proveito as redes sociais e hábil na manipulação.
Diz-se que a história não se repete, no entanto, decorridos dois anos e dois dias, a cena repetiu-se em Brasília. No domingo, 8 de janeiro, apoiantes de Bolsonaro seguiram o guião de apoiantes de Trump. As imagens do assalto às sedes dos três poderes – legislativo, executivo e judicial – pareciam igualmente retiradas de um filme de terror. Como em 2021, também agora, os democratas de todo o mundo, estupefactos e indignados, questionavam como era possível. Foi possível porque se desvalorizaram as manifestações de demagogia e populismo, a mentira sistemática e os atentados ao Estado de direito de um presidente que se julgava acima da lei. Foi possível a vandalização das instalações representativas do regime democrático e a destruição de património histórico de elevado valor material e simbólico porque o comando das forças de segurança não cumpriu o seu dever. Mas também porque, recorrendo às palavras de Benjamim Ferencz, procurador do julgamento de Nuremberga, “Tudo o que é preciso para que o mal vença é que as pessoas boas não façam nada”.
O que aconteceu em Washington e em Brasília não tem desculpa. Foram atos criminosos. E não bastam palavras de condenação e a prisão de uns tantos. É preciso castigar exemplarmente os criminosos e adotar medidas preventivas. É preciso tolerância zero em relação aos atentados ao Estado de direito, ao incitamento ao ódio aos que são diferentes na pele, na origem, na etnia, na orientação sexual, ao recurso à desinformação e aos ataques às instituições democráticas, mesmo no debate político e no espaço mediático. É oportuno lembrar que foi com um ataque a uma casa da democracia que o nazismo começou. O incêndio ao Reichstag, em 1933, queimou a democracia e permitiu a Hitler consolidar o seu poder.

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