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O tubo mágico que previa o tempo

Muito antes das previsões meteorológicas baseadas em dados recolhidos por satélites e de aplicações no telemóvel, os marinheiros confiavam num curioso dispositivo para prever o estado do tempo, denominado barómetro de tempestade, ou storm glass. À primeira vista, parecia um simples cilindro de vidro, selado e cheio de um líquido transparente. Contudo, a forma como o líquido permanecia límpido, turvava ou cristalizava, permitia prever a ocorrência de sol, chuva, nevoeiro ou tempestade.
Este engenhoso aparelho foi popularizado por Robert FitzRoy (1805-1865), uma pessoa fascinante que se destacou na marinha e na ciência. Almirante Inglês, apaixonado pela embrionária área da meteorologia, FitzRoy ficou conhecido por ter comandado o navio Beagle numa célebre expedição científica que viria a mudar a história da ciência.
Como curiosidade, saliento que nessa viagem embarcou o jovem Charles Darwin (1809-1882), que reuniu anotações e ideias que deram origem à sua Teoria da Evolução. Darwin não foi a primeira escolha de FitzRoy. Ciente da solidão e da monotonia que marcavam as longas viagens marítimas, o Almirante procurava um companheiro interessado pela ciência, com quem pudesse partilhar observações e conversas. Para tal, convidou um professor de Cambridge, que recusou o convite. Só depois surgiu Darwin, um jovem curioso e determinado, cuja presença a bordo transformaria para sempre o destino da Biologia.
FitzRoy, imbuído de um rigor científico notável, equipou o Beagle com um impressionante conjunto de barómetros, termómetros e instrumentos de precisão, tornando-o num dos navios mais avançados da época. Rico e de família nobre, não poupou recursos para aperfeiçoar as medições e registos atmosféricos. O seu interesse pela previsão do tempo era tão grande que, após regressar a Inglaterra, se dedicou a estudar sistematicamente os fenómenos meteorológicos, tornando-se o primeiro meteorologista moderno.
Apesar do storm glass ser do século XVII, foi FitzRoy quem lhe conferiu rigor e valor científico. Ainda atualmente, o dispositivo contém uma mistura de água destilada, etanol, nitrato de potássio, cloreto de amónio e cânfora, tudo selado num tubo de vidro. Saliento que se a ordem de introdução de cada componente e a sua quantidade não forem as corretas, pode ocorrer uma explosão. Além disso, a solubilidade das substâncias da mistura é sensível a variações de temperatura e de pressão atmosférica, originando flocos ou cristais de diferentes formas.
Segundo FitzRoy, se a mistura estivesse clara prenunciava bom tempo, enquanto que turvação sugeria chuva e a formação de pequenos flocos brancos vaticinava nevoeiro ou neve. Quando num líquido já turvo se formavam cristais era certa a tempestade.
Hoje, este aparelho é mais uma curiosidade histórica do que um instrumento científico, mas continua a fascinar quem o observa. Há algo de poético em ver, dentro de um pequeno tubo de vidro, uma reprodução fiel do caos atmosférico da Terra.
Desta forma, FitzRoy, com engenho e curiosidade, transformou o seu fascínio em ciência e inaugurou a longa tradição de tentar prever o tempo, com um pouco de Química, de Física e, talvez, de magia.

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