Inteligência Artificial e o Futuro no Passado
Gostaria de convidar os leitores a fazer uma breve viagem no tempo. Com uma rápida pesquisa por vídeo encontrarão facilmente um antigo programa televisivo com o título “Portugal e a Internet em 1997 (20 anos depois)”. Nele discutiam-se as potencialidades e perigos do uso da “rede”, à medida que esta se tornava cada vez mais acessível. Assistir a este programa é um exercício interessante de análise daquilo que se pensava que se ia comprovar.
Os perigos da facilidade de ligação a desconhecidos e do vício de utilização foram apontados como grandes riscos, tal como o acesso não democratizado. Também presente no debate, Mariano Gago declarou que “aceder à internet vai ser completamente banal e permite um acesso tal como a rádio permitiu, para que mais pessoas se possam apropriar dos meios de comunicação”. O antigo Ministro da Ciência e Tecnologia previu ainda que seria algo tão banal quanto o uso de um telemóvel.
Os vários testemunhos parecem tão próximos da realidade de hoje em dia quanto desadequados em relação à perigosidade que se atribuía a comportamentos que hoje consideramos banais - mesmo que igualmente danosos. Alguns leitores terão vivido este período transformador para quase todos os setores da sociedade. Aí pergunto, seria ele reconhecível desde o início? Quantas das preocupações se provaram perenes?
Graças ao investimento na Ciência a tecnologia continuou a evoluir e hoje vivemos uma era já considerada por muitos como uma nova revolução tecnológica, a da inteligência artificial. Este período de evolução muito rápida deve-se a uma conjugação de fatores: uma melhoria significativa no desenvolvimento do poder computacional e um aumento dos dados que é possível processar.
Diferentes preocupações têm surgido em quem estuda esta área, criando-se até o sub-ramo da “inteligência artificial responsável”. Desde a sustentabilidade, ou falta de, destas tecnologias como as utilizamos hoje em dia, ao impacto que poderão ter em diferentes indústrias, o debate tem vindo a instalar-se publicamente. Sendo que se baseiam em reproduzir o que “aprendem” a partir de uma enorme quantidade de dados, há vários exemplos de como vieses comportamentais presentes nesses dados podem ser extrapolados por estas tecnologias. Se imaginarmos toda a internet como esta “caixa negra” de informação é fácil perceber como se poderão exceder alguns limites.
Se décadas depois da sua democratização ainda discutimos e aprimoramos legislação relacionada com o uso da internet, como poderemos antecipar todas as questões associadas a estas tecnologias emergentes? Não haverá uma fórmula simples de evitar todas as partes más e provocar todas as partes boas, sendo que é muito difícil legislar num mundo que muda tão rapidamente.
Se por vezes parece que não sabemos como proceder é porque realmente estamos a descobrir à medida que o fazemos. É por isso que a promoção do diálogo é importante, não só para clarificar os benefícios da inteligência artificial em diferentes contextos, mas também para mitigar o pressuposto de que estas tecnologias são sempre benéficas ou de que existe um determinismo nos possíveis malefícios.
É por nos encontrarmos neste período específico, de expectativas altas e muitas vezes divergentes, que se torna extremamente importante estudar e dialogar sobre possíveis preocupações. Como cidadãos podemos e devemos participar ativamente na tomada de decisões, numa sociedade que se quer democrática no conhecimento. É também esse o papel da comunicação de ciência - tornar o conhecimento científico alcançável à medida que ele é desenvolvido. Mesmo em assuntos que parecem completamente novos e complexos devemos ser exigentes quanto aos meios de comunicação que consumimos, aos debates em que participamos e à informação que nos chega. Até porque o tempo tende a mostrar que, independentemente das expectativas, a realidade tende a não ser nem tão catastrófica quanto pensamos nem tão positiva quanto gostaríamos.
Bárbara Teixeira
Comunicadora de Ciência no Instituto de Sistemas e Robótica de Lisboa (IST).