A opinião de ...

O namoro do Teatro e da Ciência

Se pensarmos em Teatro e pensarmos em Ciência, quase podemos imaginá-los em lados opostos da vida ou, pelo menos, muito distantes. O Teatro, uma atividade social, habitualmente associado ao contar de histórias e à expressividade emocional; a Ciência, realizada em espaços reservados, longe da nossa vista, em busca, muitas vezes, de resultados precisos, o que não parece ligar-se bem com as emoções.

A verdade é que o Teatro e a Ciência podem viver bem mais próximos do que talvez imaginamos. Podem ser bons amigos. Até podem namorar. Podem dar abraços, podem andar de mãos dadas.

Mas como? De muitas maneiras. Há muitos modos de namorar.

A forma mais comum do Teatro e a Ciência namorarem é o primeiro contar histórias da vida da Ciência. Colocar em palco personagens históricas que marcaram a evolução da Humanidade através das descobertas e invenções científicas que realizaram, como por exemplo o italiano Galileo Galilei, que um dia decidiu apontar um telescópio para o céu; ou o inglês Isaac Newton, o primeiro a falar de força da gravidade; ainda o alemão Albert Einstein, que nos fez começar a falar de relatividade; ou a polaca e francesa Marie Curie, que nos explicou a radioatividade. Antes de serem cientistas, estes homens e mulher foram pessoas. E o Teatro tem essa fantástica capacidade de nos emocionar com tudo o que é humano, sejam os problemas amorosos de um casal, seja a persistência para descobrir uma cura para cancro.

Outra forma de namoro entre Teatro e Ciência é a criação de peças, pelo primeiro, que procuram representar determinadas ideias e conceitos que nos chegaram do campo científico, como por exemplo a Relatividade, de que falámos atrás, ou a Teoria da Evolução. O Teatro não resiste a inventar modos de traduzir estas ideias para uma linguagem que envolve voz, corpos, cenário, luz, som, e que assim as aproxima de nós. E a nós delas.

Já tem acontecido o Teatro ser convidado a visitar a Ciência em sua casa, para se conhecerem melhor. Já viram isto? Chamam-lhe residências artísticas, uma espécie de temporada de artistas no meio científico para acompanharem o trabalho que ali se faz para depois criarem espetáculos sobre esses temas de investigação. A mim soa-me a namoro com autorização dos pais.

E se eu vos disser que até é possível que o Teatro consiga convencer cientistas a pisar o palco, será que vocês acreditam? Pois é mesmo assim. Já várias peças foram representadas em que as atrizes e atores são pessoas da Ciência, em que contam histórias das suas vidas enquanto cientistas. Como é o seu dia de trabalho, que tipo de relações têm com a chefia, e com os colegas, de onde vem o dinheiro que lhes paga o ordenado, as suas alegrias, as suas frustrações. Digam lá se isto não parece mesmo um casamento?

E até pode ser com comunhão de bens. Já há muitos projetos científicos que, com a preocupação de comunicarem com as pessoas o que estão a investigar, se aliam ao Teatro para esse fim, logo desde o princípio. Estes são os casos em que a Ciência e o Teatro já não conseguem viver um sem o outro, em que se completam. Em que a Ciência traz o conhecimento do mundo, e o Teatro a relação com as pessoas.

Nas décadas mais recentes, o Teatro e a Ciência têm-se aproximado de um modo sem igual. São muitas as peças que tratam de temas da Ciência e muitos os projetos científicos que usam as linguagens do Teatro para comunicar com as pessoas. E, deste modo, as pessoas aproximam-se mais da Ciência, que se torna mais apelativa, mais fascinante e mais compreensível. É, sem qualquer dúvida, uma relação bem sucedida.

É tão bom vê-los juntos. Podem não ser o casal perfeito, mas será que isso existe?

Mário Montenegro
Ator, encenador, professor

Edição
3928

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